Michel Desmurget (1965) defende a leitura prazerosa como pilar de leitura assídua.
"Ponham-nos a Ler!" (Contraponto) tem muitas qualidades, mas não cumpre com a primeira linha de defesa.
O autor de "A Fábrica de Cretinos Digitais" (Contraponto) oferece um ensaio detalhado sobre os problemas que a leitura enfrenta e os benefícios no fim do arco-íris.
A linguística cruza-se com as neurociências e a filosofia com os desafios quotidianos num livro que é o fruto de um trabalho atento aos pormenores.
O tempo que os ecrãs roubam à leitura prazerosa é cada vez maior. A competição alimentada pelas empresas tecnológicas, que investem milhões para fidelizar consumidores, é precariamente contrariada por políticas sociais. E traz uma agravante:
o vício em produtos recreativos é muito mais rápido do que a lenta construção de hábitos de leitura.
Estes devem começar em contexto familiar, com diferentes estratégias consoante a idade, e ir até ao último suspiro.
Marius Roustan afirma que "A leitura desenvolve a razão, a sensibilidade, a imaginação, todas estas faculdades, e, ao mesmo tempo, aguça-as, dá-lhes uma maior amplitude e uma maior delicadeza. Devemos-lhe tesouros incalculáveis (...) Leiam, leiam muito, nunca é demais (...) É preciso ler quando se é jovem. É preciso ler quando se é velho."
O leitor sai bem informado com esta amplitude de análise. Há dados que fundamentam as informações. As opiniões (concordemos ou não) com base sólida e muita informação melhora a percepção do leitor, seja ele pai, mãe, professor ou leitor mais inclinado para ensaios.
A dúvida surge depois de se ler os primeiros capítulos:
A quem se dirige Michel Desmurget?
Se o livro é direcionado a um público académico, parece satisfazer o seu objetivo.
A estrutura narrativa é canónica no que ao ensaio diz respeito:
As notas, a bibliografia, as fontes, os dados, a metalinguagem apontam para esse intuito, ainda que haja o cuidado de a linguagem não ser opaca ou não se perder em vocabulário compreendido somente pelo próprio e por meia-dúzia de colegas.
O cuidado em não ser opaco sugere preocupação com o grande público, sugere a vontade de chegar ao leitor menos preparado.
E é aqui que Desmurget falha.
Voltemos à leitura prazerosa como pilar.
"Ponham-nos a Ler!" é entediante para o leitor não académico.
A narrativa não consegue concliar dinâmica e informação; não prende a atenção do leitor que procura saber sem ser interrompido por constantes dados estatítiscos. E consequentes bocejos.
Mas isto é só uma desvantagem se o leitor procurar uma leitura pedagógica fluída, dinâmica e até com entretenimento.
Se é informação e opinião bem fundamentada que procura, "Ponham-nos a Ler!" cumpre os seus objetivos.
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