A Arte de Entrevistar
A mediação do sentido numa entrevista acontece dentro de determinados parâmetros (extensão da entrevista, a objetividade do entrevistador, a oratória do entrevistado e até a língua em que são dadas as respostas).
É reconhecível que perguntar é mais cómodo do que responder. Há um vínculo e exposição maior de quem responde. No entanto, o entrevistador também se vincula ao seu trabalho. Cada pergunta expõe um objetivo e até um método.
Não há um estilo único na construção da entrevista, assim como não há escritores iguais. Existe um grau de incerteza em cada conversa. Nunca se sabe o que vai acontecer.
Em "Conversas com Escritores" (Companhia das Letras), Isabel Lucas dá a conhecer o pensamento de vários autores consagrados na literatura internacional.
Os registos são plurais; há entrevistas por telefone, por videoconferência, presenciais e por escrito.
São transcritas para diálogo ou em texto corrido. Todas as entrevistas são contextualizas pela jornalista e todas têm um conceito inerente:
Ética.
Isabel Lucas não tenta suplantar o entrevistado; a jornalista (e escritora) sabe do seu papel no diálogo, sabe que a sua voz orienta a entrevista sem a monopolizar.
Não se veem tiques inquisitivos nem o alardear de uma verdade que poderá estar a ser escondida pelo autor. A relação de respeito é percetível em cada conversa, e só assim se cria um ambiente confortável e de intimidade que leve o entrevistado a iluminar a escrita.
Entrevistar é saber ouvir, interromper quando é preciso para esclarecer, observar a expressão corporal, perceber a disposição do entrevistado.
Isabel Lucas tenta entrar na cabeça do escritor para conhecer a "casa das máquinas" onde tudo é montado; por sua vez, o leitor entra também nos bastidores onde circula a jornalista. É por esse caminho que encontra os limites e o rumo de como construir uma entrevista.
Assim sendo, em "Conversas com Escritores" há a feliz conjugação do pensamento dos escritores sobre os seus livros (e de outros autores, como os desagráveis desabafos de Javier Marías) e a forma como a jornalista vê e monta a narrativa.
São 17 entrevistas feitas entre junho de 2014 (Florença) e dezembro de 2023 (Braga) a autores como Jonathan Franzen, Don DeLillo, Peter Handke, Zadie Smith, Lydia Davis ou Elena Ferrante.
O leitor acompanha as respostas esquecendo-se de que há uma jornalista a orientar a conversa. É assim que uma boa entrevista deve acontecer. A luz incide no escritor, mas se estivermos atentos, vemos mestria, ética e conhecimento a pautar o ritmo de cada conversa. Se estivermos atentos, aprendemos com as respostas e com as perguntas.
"Conversas com Escritores" é um encontro feliz entre quem sabe perguntar e quem tem muito para dizer.
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