Lucy Barton tem voz. Ela é de carne, osso e sentimos-lhe o batimento cardíaco. São as maiores conquistas de Elisabeth Strout nos livros que dão a conhecer Lucy.
Depois de “O meu nome é Lucy Barton” e de “Tudo é possível”, chega-nos “Oh, William!” (Alfaguara; trad. Tânia Ganho).
A desafectação da prosa aproxima-nos de Lucy; é a sua voz – de mulher e não de escritora- que vai desvelando as contradições que nos humanizam e nos espantam. Lucy é confrontada com as suas incoerências e fica surpreendida. O mesmo acontece ao sentir as arestas no comportamento de William, seu ex-marido que lhe fora tantas vezes infiel.
Longe vão os tempos em que, hospitalizada, ela vai dissecando esta decrépita relação colonizada por silêncios.
A relação mudou. Lucy voltou a casar e enviuvou; William abandonou e foi abandonado. Quando ele descobre que tem uma meia-irmã recorre ao apoio de Lucy. Ele precisa dela para o acompanhar na procura.
A adequação do discurso à mundividência e quotidiano afasta a palavra da metáfora e cola-a ao sentido primordial. Os pensamentos são espelhados nas frases sem diatribes filosóficas nem afectação lírica. Ainda assim, apesar de tanto se aproximar da psique, o fracasso é inevitável:
“Mas quem é que sabe realmente como os outros sentem as coisas?”
Ela é gente como nós: cheia de contradições, amarguras, perdão e resiliência. A narrativa fragmentada optimiza os matizes que nos formam. O que é digno de registo não fica preso a uma falsa evolução lógica, à obediência da regra causa-efeito.
Conhecemos Lucy Barton, e a sua honestidade conforta-nos.
Lucy é tantos de nós, com todas as vicissitudes e cambiantes.
“Mas quando penso «Oh, William!», não quero eu dizer também «Oh Lucy!»?
Não quero eu dizer «Oh toda a gente», «Oh coitadas de todas as pessoas neste mundo enorme, não conhecemos ninguém, nem sequer a nós próprios!»?
Talvez seja por isto que Lucy e William nos parecem tão familiares.
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