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Shot #34: "O Perfume das Flores à Noite", de Leila Slimani

 





Do que falas quando falas de escrita? 



Ao quarto livro traduzido em português, Leila Slimani(n.1981) passou os limites do epifenómeno e instalou-se num lugar certo e seguro. 
“O Perfume das Flores à Noite” (Alfaguara) é uma despretensiosa visita aos bastidores da escrita de No Jardim do Ogre”Canção Doce e “O País dos Outros”. 

O projecto apresentado por Alina, sua agente, veio ao encontro da necessidade imperativa de reclusão, de “dizer não e passar por misantropa, arrogante, doentiamente solitária”: 
- Ficar fechada durante uma noite num museu em Veneza. 
Em contraponto (e contradição) à necessidade de silêncio e reclusão, a autora, tal como Sándor Marai, pensa que não são as cidades nem as paisagens que interessam verdadeiramente; é nas pessoas, é na “mulher inglesa ou de um sapateiro toscano numa viela estreita perto da via Tornabuonique se encontra matéria de escrita. 
No escuro das galerias, a sentir o chão nos pés descalços, a autora nascida em Rabat faz desfilar figuras da sua infância e desfilar-se, transmudada em personagem do seu livro. 
Assim conhecemos a mão que nos dá as histórias; a mão que revela e esconde, a mão que gere o “chiaroscuro” de cada avatar, de cada palavra, de si própria.
 
“O que não dizemos pertence-nos para sempre. Escrever é jogar com o silêncio, é dizer, de maneira indireta, segredos que na vida real seriam indizíveis. A literatura é uma arte de contenção.” 

Textos misturam-se com memórias de infância e adolescência e autores convivem com familiares desaparecidos. Principalmente com o pai. Tudo ali conduz a ele; a arte plástica, o silêncio, o som dos passos descalços, as sombras e a rara luz. 

“Talvez seja essa a missão do artista? Exumar, arrancar ao esquecimento, entabular o diálogo diabólico entre o passado e o presente. Recusar a inumação.”

Depois de uma noite em que a solidão a obriga a confrontar-se, o perfume das damas-da-noite acompanha-a à saída; lá fora, distante das imperscrutáveis obras de arte, é sobre as pessoas que o olhar incide, um olhar vampiro a imaginar caminhos e palavras para serem delineados e escritas em silêncio. 
Não espere o leitor um tratado teórico sobre a literatura. As ligações são mais afectivas do que intelectuais, o objectivo é mais sentir a pulsação dos textos do que dissecá-los com o bisturi da teoria da literatura.
 
É uma história sobre histórias; uma metalinguagem adaptada ao ouvido do leitor pouco avisado para os termos nebulosos da crítica literária. É uma história. E muito bem contada como é habitual em Leila Slimani.
 

 


O Perfume das Flores à Noite
de Leila Slimani 
ISBN 9789897845376
Edição/Reimpressão 03-2022
Editor: Alfaguara Portugal
Idioma: Português
Encadernação: Capa mole
Páginas: 144


 


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