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Testemunho: "O meu nome é Oleg"

 


Este testemunho foi registado em 2016 e em nada tem a ver directamente com esta invasão da Ucrânia pela Rússia. É, no entanto, com uma sensação de premonição que o lemos.


O meu nome é Oleg. A minha mulher chama-se Natasha. Eu tenho 46 anos. Ela tem 38.

Nós chegámos há um ano e três meses.

Agora já podemos falar um pouco da nossa saída da Ucrânia. Já não dói tanto.

Nós não queremos voltar para a Ucrânia. Não queremos.

Konstantinovka, a cidade onde morávamos, estava na fronteira entre as repúblicas separatistas e a Ucrânia. Estivemos constantemente a levar dos dois lados. Os tanques andavam nas estradas, pessoas armadas entravam nas lojas. . É o que o português chama de “lei da selva”. Quem é mais forte é que ganha.

Vimos os mísseis a voar sobre nós de um lado para o outro. Também os aviões passavam por cima de nós. Estivemos mesmo no meio da guerra.

Tivemos outro problema: Eu sou russo. Depois de ter terminado a faculdade, fui enviado para a Ucrânia, por razões profissionais. Em território ucraniano tive problemas porque tenho pronúncia russa. Muita gente tem esse problema.

Por que razão tudo começou? É difícil dizer. Sei que começou depois da Revolução de Kiev.

O Exército da Ucrânia era a favor de uma Ucrânia inteira. As outras forças queriam separar parte da Ucrânia. Não sei se era para ficar com a Rússia. É o que se diz, mas é muito confuso. A ideia era criar ali uma república, uma “Rússia Nova”, que incluísse algumas regiões desde parte do leste da Ucrânia até ter acesso ao Mar Negro.

Nós tínhamos boas condições de vida. Tínhamos uma casa moderna, dois carros, uma fábrica que produzia protecção de estores e cortinados. Tínhamos boas condições… Viajávamos para fora do país, duas vezes por ano.

Nós somos duas pessoas alheias à vida política. Nós só queríamos a nossa paz, o nosso trabalho, a nossa casa. Estávamos a trabalhar e a esforçarmo-nos para melhorar as condições de vida. Só nos interessava isso. Quando chegaram os separatistas, aconteceram coisas horríveis. Toda a cidade ficou fechada em casa. Ninguém saía. As tropas passeavam pelas ruas, com armas. Pensamos que libertaram os reclusos e os armaram. Eram pessoas de muito baixo nível. Eles tiraram as grades das lojas e montaram barricadas. A nossa loja estava no centro da cidade. Deixámos de conseguir ir lá. Deixámos de ter trabalho. Nunca mais soubemos nada sobre a loja.

Esperámos que tudo mudasse, mas depois vimos que nada ia mudar. Foi quando decidimos sair.

Esperávamos que, quando chegasse o exército ucraniano e mandasse embora os separatistas, tudo mudasse. A vida antiga ia voltar. Nada mudou. Eles ocuparam escolas e fizeram lá quartéis. As crianças deixaram de poder ir aprender. Nada mudou. Nós saímos.

Os tanques andavam nas ruas. Uma criança morreu esmagada, num carrinho de bebé. Estava tudo destruído. Só víamos pessoas a correr nas ruas, com as crianças, para abrigos subterrâneos.

Antes de chegarmos, estivemos duas vezes em Portugal, como turistas. Estivemos em Lisboa e nos Açores.

A nossa viagem teve alguns problemas.

Eu podia não conseguir apanhar o avião de Kiev para Lisboa. E eu sabia que ia ser recrutado para a guerra. Para não ser recrutado, fugimos de comboio para Budapeste. Pensei que podíamos pedir lá asilo.

O serviço de estrangeiros, em Budapeste, nem queria falar connosco. Não tinham tradutor. Só no Tribunal dos Direitos Humanos, a que recorremos, é que nos disseram que não tínhamos hipótese de ficar em Budapeste e que teríamos de ir para Portugal.

Eles viram que tínhamos um visto de Portugal.

Disseram-nos que, conforme acordo de Dublin, quando temos um visto de um país membro da União Europeia esse país é o responsável por nos dar abrigo. É responsável por nós.

Comprámos o bilhete de Budapeste para Lisboa. Tínhamos uma gata. Não a abandonámos. Andámos a viajar com ela.

No dia 23 de Fevereiro, pelas seis da manhã, chegámos a Portugal. Viemos de avião. Tínhamos o visto de turista com duração de seis meses. Quando chegámos entregámo-nos ao SEF, no aeroporto. Contámos tudo o que nos aconteceu e qual era a razão de estarmos em Portugal.

Eles verificaram os documentos e enviaram-nos para o SEF central, em Lisboa.

Fomos para lá. Viram os nossos documentos, tiraram as impressões digitais e fizeram-nos uma entrevista. Havia uma tradutora no SEF central. Depois disso, fomos enviados para o centro de refugiados que existe na Bobadela.

Na Bobadela, ouve-se os aviões a passar. Nós, no início, tínhamos como primeira reacção escondermo-nos.

Estivemos quatro meses na Bobadela, no Conselho Português para os Refugiados [CPR]. Tivemos aulas de português, levaram-nos em excursões para conhecermos alguns sítios. Deram-nos habitação, comida e apoio financeiro. Passados esses meses fomos para Odemira, no Alentejo. Moramos a cinco quilómetros de Odemira. Fomos para esta localidade porque a Segurança Social mandou. Tem a ver com a política sobre os refugiados. Nós estamos a ser distribuídos pelo país, em zonas menos habitadas. Assim não há grandes concentrações.

Quando chegámos à Segurança Social, foi-nos atribuído número de contribuinte e de segurança social. Pediram-nos para assinar uma carta em que dizia que íamos ser enviados para a zona de Beja. Para haver apoio temos que respeitar a condição de sermos distribuídos pelo país. Não podemos estar todos no mesmo sítio.

Andamos à procura de trabalho. Tem sido muito complicado. Cada vez que vamos ao centro de emprego para nos registarmos dizem que sem conhecimento de língua portuguesa é impossível arranjar trabalho. O problema é que nunca nos chamaram para frequentarmos as aulas de português e depois eventualmente frequentar um curso técnico profissional. Isso nunca aconteceu.

O CPR já não nos ajuda porque ao passarmos para a segurança social, o CPR já não tem nada a ver connosco.

Tivemos apoio financeiro da Segurança Social. Logo que a minha mulher arranjou trabalho, só eu tive acesso ao apoio. É o único apoio que nos é dado.

A Segurança Social em Odemira deu-nos alimentação durante seis meses.

Só a minha mulher é que trabalha.

Temos alguns amigos em Odemira. Há uma comunidade de ucranianos em Odemira. Não são refugiados. Eles estão a trabalhar lá para depois voltar para a Ucrânia. Não temos família em Portugal. Temos mãe e pai na Ucrânia.

 

Nós não queremos voltar. Não queremos. Já não vemos futuro para nós na Ucrânia.



Mário Rufino

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