Cartografia da solidão e da amizade.
A pandemia tem sido substrato para a criação artística. Há necessidade de contrair o tempo vazio e a solidão. Umas vezes, usufruímos dessa criação, em outras suplicamos para que se pare.
A pandemia democratizou o isolamento. De repente, um vírus aumentou a distância entre pessoas. E mais do que nunca, o ser humano percebeu que a solidão só é boa quando existe por livre escolha. De outra forma, arranca-nos as raízes e torna-nos ilhas em erosão.
Luke Adam Hawker (ilustração) e Marianne Laidlaw (texto) olharam para distância entre cada um de nós e criaram “Juntos” (Porto Editora; trad. Valter Hugo Mãe), uma pérola formada dentro da rugosa dureza dos novos tempos.
Em cada ilustração de Hawker espreita a esperança na capacidade do ser humano em contrariar a corrente, se levantar e, principalmente, de chegar ao outro e tocar-lhe.
São páginas preenchidas com ruído e silêncio, com multidões e um só homem, com edifícios e ruas vazias.
A estreita ligação afectiva entre um homem e um cão sente-se em cada traço; são a companhia um do outro na tempestade que apartou multidões. São eles a guiar-nos no ruído e no silêncio, no afastamento e na aproximação. Este homem é o seu avô, ou é baseado no seu avô, por quem o autor nutria grande afecto, e o cão é a sua cadela, vivaça e de indomável energia.
Tanto no livro como na realidade, muitas pessoas só viram companhia nos seus animais de estimação. Cães ou gatos ajudaram a colmatar o vazio que ficou quando tudo o que era dado como adquirido desapareceu.
Em nenhum momento, a pandemia é nomeada. Percebemos a que os autores se referem, mas não é importante dar-lhe um nome. O essencial é observar o que nos une e nos separa; o essencial é observar a imperativa necessidade de estarmos juntos.
"Juntos" mostra-nos o belo a emergir do escuro.
0 Comentários