Leila Slimani aumentou a parada.
“O País dos Outros” (Alfaguara; trad. Tânia Ganho) é o projecto mais ambicioso entre os livros já publicados em Portugal.
“Canção Doce” e “O Jardim do Ogre” mostraram a capacidade da autora nascida em Rabat, Marrocos. Este seu mais recente livro confirma-a.
“O País dos Outros” (Alfaguara; trad. Tânia Ganho) é o projecto mais ambicioso entre os livros já publicados em Portugal.
“Canção Doce” e “O Jardim do Ogre” mostraram a capacidade da autora nascida em Rabat, Marrocos. Este seu mais recente livro confirma-a.
Mathilde, casada com o marroquino Amine, muda-se para Meknés, em Marrocos. A versão idílica do marido depressa é contrariada pela realidade. A quinta deixada em herança pelo pai de Amine precisa de ser recuperada e a terra dessa quinta é quase estéril. Mas pior do que isso: Mathilde sente o afogo de costumes a cercar a liberdade. Marrocos na segunda metade do século passado- em transformação antes e depois da independência- não é um lugar igualitário. E é ali que terá de educar a sua família.
Naquele lugar, com aquela gente e com aquelas ideias, Mathilde não passará de uma estrangeira.
“Os filhos eram as suas raízes e ela estava involuntariamente apegada àquela terra. Sem dinheiro, não tinha para onde ir e essa dependência, essa submissão, matava-a. Os anos bem podiam passar, que Mathilde não se conformava e continuava tomada pela náusea, era uma espécie de dobra dentro dela, um esmagamento que a fazia ter nojo de si própria.”
Toda esta tensão entre Marrocos e França, entre hábitos arcaicos e liberdade individual, entre colonizado e colonizador não permite que as raízes se aprofundem no solo. São ideias beligerantes em constante confronto. Mathilde, alsaciana de gema, ouve o seguinte de um velho empregado:
"Se um dia, sobretudo à noite, eu vier ver-te, não abras. Mesmo que seja eu, mesmo que diga que é urgente, que há alguém doente ou a precisar de ajuda, não abras a porta nunca. Avisa os teus filhos, diz à criada. Seu eu vier, será para te matar"
Os inimigos, como diz Amine, são as pessoas com quem vivem há muito tempo. Algumas são amigas, vizinhos, até família.
Leila Slimani mete gente dentro dos livros. As personagens não existem como postais decorativos a abrilhantar uma ideia. Elas são a ideia, ou parte essencial da mensagem que a autora quer passar. Conhecemo-las primeiro, afeiçoamo-nos a elas depois.
Slimani não abdica da sua condição feminina, de ideias como a liberdade, seja qual for a condição que a ameace. Sem cair na escrita panfletária.
A narração por uma visão exterior permitiu contruir um livro bem calibrado, com vozes dissonantes a quebrar uma estrutura que, de outra forma, seria demasiado rígida.
“O País dos Outros” tem gente e contexto, tem História e estórias. E muita qualidade.
O País dos Outros
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