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Shot #29: "Não Mais Amores", de Javier Marías







 

São 30 anos de distância entre “A Demissão de Santiesteban (1975) e “Caído em Desgraça” (2005), dois dos 26 contos presentes em “Não Mais Amores” (Alfaguara). Javier Marías organizou-os em duas partes: 23 “Contos Aceites” e 3 ”Contos Aceitáveis”. 


Em grande parte, o autor madrileno debate-se com as limitações inerentes a este género literário.
 
As suas frases longas e encadeadas estão aprisionadas num espaço curto, sem vislumbre de liberdade. Embora existam contos de excelência (“Não Mais Amores”, “A Demissão de Santiesteban”, “Na Viagem de Núpcias”, “Binóculos Quebrados”, “Domingo de Carne”, “Enquanto Elas Dormem”) não poucas são as vezes em que o autor parece um maratonista obrigado a fazer uma prova de velocidade. A necessidade de desenvolver personagens, situações e, principalmente, ambientes é limitada pelas características da narrativa breve.  Não é breve (ou curto) o que não demora muito a contar. Não chega. Tem de assumir outras características. O conto deve também ser condensado e homogéneo, elementos que não estão aperfeiçoados em vários contos deste volume.
 E não estão porque o fôlego de Marías é outro, o trabalho sobre a linguagem necessita de mais liberdade para fluir.
Nos mais bem-sucedidos, o autor de “Assim Começa o Mal” observa a duplicidade como potencial (o que somos e o que poderíamos ser numa tensão bem gerida e tão bem demonstrada em “Gualta”, por exemplo, e até na génese de “A Canção de Lord Rendall”) e dá-nos também a antecâmara da acção principal, incindindo a luz sobre o acessório e deixando o desfecho em aberto. As causas são o “ponto cego” que Marías pretende iluminar em detrimento da consequência.
 
Consegue, nos momentos altos, provocar desconforto e surpresa; nos momentos baixos, a mente do leitor afasta-se e o escritor fica a falar sozinho. 
 
Armando Moreno, no seu “Biologia do Conto” (Almedina) é muito pertinente quando afirma que “Não interessa se dada personagem vai matar a mãe ou carpir a morte da filha, mas a sensação que desperta no leitor, isto é, a função que desempenha como elemento literário: a acção
 que teve sobre o escritor enquanto concebia e a que tem sobre o leitor enquanto lê”
 
Por vezes, em "Não Mais Amores", divergem em demasia.
Sabemos que há mais amores e esses são os romances publicados.
 
O próprio Marías não se inibe de desvalorizar o labor aplicado na construção de obra neste género literário. 
 
“E dado que nos últimos anos dediquei muito pouca energia ao conto e também não tenho em vista vir a dedicar-lhe num futuro próximo (…). Nada nunca é certo, mas, dado o pouco que frequentei a nobre arte do conto nos últimos tempos já não escreva mais nenhum (…). Tenho poucas dúvidas de que, a ser assim, o dito género não perderá grande coisa.”
 
Marías habituou-nos a melhor, mas não é preciso ir tão longe. Não sejamos tão duros. É previsível haver dissonância de qualidade numa compilação de contos.

 
Em suma, o melhor Marías não mora aqui, mas o mediano Marías é mais do que suficiente para uma leitura aprazível.
 


Não Mais Amores
de Javier Marías 
ISBN: 9789897841033
Edição/Reimpressão: 11-2020
Editor: Alfaguara Portugal
Idioma: Português
Dimensões: 154 x 234 x 26 mm
Encadernação: Capa mole
Tradução: Elsa Castro Neves, Manuel Alberto e Miguel Filipe Mochila

Páginas: 408

Preço: 23,50
                    


















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