Mais citado do que lido, “Quinta dos Animais” (Livros do Brasil), de George Orwell, é daqueles livros indispensáveis para quem tem interesse em diagnosticar os mecanismos de acesso e permanência no poder. O autor nascido na cidade de Motihari (Índia Britânica) destapa a psique do ser humano. Para isso, foi preciso decliná-lo em porcos, cavalos, galinhas, ovelhas e ratos. O resultado foi uma fábula em que todos nos revemos. Daí, a permanência ao longo do tempo como livro sempre actual.
Eis uma descomplicada, mas com tanto a dizer, história. Nesta simplicidade, podemos ver como o revolucionário se corrompe e se vai transformando no seu carrasco.
O Sr. Jones, homem preguiçoso, quase sempre bêbado, trata mal os animais da sua Quinta do Solar. O dia em que se esquece dos alimentar depois de uma noite de muito álcool é a ignição de uma revolta. Os suínos Napoleon e Snowball lideram o grupo que haveria de expulsar o dono da quinta. Todos os animais vencem a luta pela liberdade e passam a viver numa alegria paradisíaca na renomeada Quinta dos Animais.
Juntos tentam fazer da utopia realidade, mas lentamente tudo volta aos trilhos antigos. Com uma grande diferença: A propaganda espalhada pela apurada retórica de Squealer. Alardeando medos do passado, avaliza os desmandos de Napoleon e da sua vara sedenta de luxo. Por esta altura, já Snowball (como Trotsky) havia sido expulso e declarado conspirador-mor. Tudo o que de mal acontecia era da sua laia.
Os 7 mandamentos iniciais foram sendo adaptados com malícia ao “modus vivendi” da classe dominante, cada vez mais igual ao Sr. Jones, cada vez mais igual ao ser humano.
Em vez do original “Nenhum animal deverá dormir numa cama” passam a ter “Nenhum animal deverá dormir numa cama com lençóis”, ou a “Nenhum animal deverá matar outro animal” acrescentam “... sem motivo”. E há uma alteração que veio a ser adaptada e repetida mesmo por cidadãos que nunca leram “Quinta dos Animais”:
De “Todos os animais são iguais” passou-se para “Todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais do que outros”.
“Quinta dos Animais” (também conhecido por “O Triunfo dos Porcos”) é visto como sátira ao Estalinismo e sua traição ao paraíso prometido pela Revolução Russa de 1917. Mas não se resume a determinada época histórica. Olhando para trás, olhando para os efeitos da autoridade, consegue vaticinar o por vir. Estes mecanismos do poder vão do simples meio empresarial até ao complexo sistema político de um país ou continente.
Há um Napoleon por domar em cada um de nós. O poder revela e transforma o ser humano.
É esta capacidade de ser transversal e contemporâneo que faz da fábula de Orwell uma das melhores narrativas da literatura mundial. Para ler e se dar a ler.
Uma biblioteca estará incompleta sem “Quinta dos Animais”.
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