Entramos em “A Ocupação” (Companhia das Letras) como se tivéssemos acabado de sair de “A Resistência”, anterior romance de Julián Fuks (São Paulo, 1981). A cadência é similar e a qualidade mantém-se. Dois romances depois, verificamos que há uma voz merecedora da atenção do leitor. Sensibilidade e inteligência unem-se em simbiose tanto num romance mais pessoal, como “A Resistência”, ou mais político, como “A Ocupação”.
A prosa de Julián Fuks, , vencedor do Prémio José Saramago, do Prémio Oceanos e do Prémio Jabuti, é a expressão literária de quem tem demonstrado em várias entrevistas um pensamento bem estruturado, rico e com marca pessoal.
O autor aproxima a ficção da factualidade. Entre uma e outra, algum poder digressivo propõe ideias e demonstra a vulnerabilidade individual. Existe em “A Resistência”, existe em “A Ocupação”. No mais recente romance, Fuks tenta chegar ao Outro, ora conseguindo, ora esbarrando em palavras e anseios próprios. A sua vontade é deixar-se ocupar, ser recipiente de tudo o que o rodeia e verter tudo isso para literatura. Sebastián, o narrador, quer sair do “presente em ruínas”, ocupar o olhar do Outro e deixar-se levar por fluxos citadinos. Só olhar, deixar-se ocupar pelas personagens e ambientes, para depois escrever. Nas ruas da cidade, vagabundam os sem-tecto, que ocupam praças, ruas e prédios vazios. Para Sebástian,
Entre afastamentos e aproximações ficcionais ou reais, o Brasil está no pai, na mulher e em Najati. Por mais que se tente afastar de si para concretizar a alteridade, não consegue por ser inviável. Nos olhos dos outros está o seu reflexo. Por mais que use a ficção para chegar aos outros, ele sabe estar presente nessa metamorfose. E em vez de se esconder, Fuks faz desse jogo matéria literária.
Se, como Saramago dizia, o leitor lê o autor quando está a ler o livro, essa premissa é denotativa em “A Ocupação”. No entanto, Fuks procura ser Sebastián; ele não pretende ser narcisista. Essa luta para ir além dos dramas pessoais é inglória, mas não fútil. Essa luta é matéria prima. Vemos os outros, vemos o reflexo do autor nos outros e vemos o esforço na procura da alteridade. O autor mostra as fundações do romance e ao fazê-lo vai além da história pessoal ou de terceiros; ao fazê-lo dota o texto de componentes metaliterárias. A ficção, ao debruçar-se sobre si, faz da metaficção seu objecto ficcional. Um dos muitos exemplos é a carta a Mia Couto. Nas palavras de Fuks destinadas ao autor moçambicano está a essência de “A Ocupação”. A chave de leitura do romance está nessa carta. É aí que são expostas inquietações e denunciados objectivos. Apesar de não serem atingidos na íntegra, está longe de ser um romance falhado. E isso não acontece porque, como já foi dito, Fuks fez desse caminho, com os obstáculos ultrapassados e por ultrapassar, matéria romanesca.
Há desalento nas palavras. A melancolia une-as quando têm si a miséria, o exílio, a raiva pela realidade brasileira, a tragédia de não se encontrar uma solução. A definição de Ocupar indica-nos a tomada de posse, ou o exercer de controlo sobre determinado espaço. Verbo transitivo, precisa de um complemento para completar o sentido. Fuks procura que os sem-tecto tomem posse dos espaços, o bebé ocupe o corpo da mulher e conta-nos sobre o corpo do pai ocupado pela doença. Uns completam o sentido dos outros; todos complementam a voz de Julián Fuks.
1 Comentários
Penso que Sebastian é o nome do irmão adotado, ou seja, ele volta novamente