O júri do Prémio Nobel parece ter dado um pontapé na porta para abrir caminho a Olga Tokarczuk (1962, Sulechów), tal foi a surpresa.
Nome desconhecido-excepto entre os leitores mais avisados- a escritora polaca não fica, no entanto, devedora da qualidade. Já havia sido consagrada com o “Prémio Internacional Man Booker em 2018” e louvada por Svetlana Alexievich, outro nome provocador de enorme surpresa ao ganhar o Nobel.
“Viagens” (Cavalo de Ferro) é caminho escrito por mão segura e sabedora. O tema da viagem é uma espécie de “holding” agregadora de diferentes deslocações. O tempo, a geografia e a emoção são percorridos por Tokarczuk, intercalando fragmentos e despistando, por vezes, o leitor.
Não é uma viagem linear; é antes feita de episódios reveladores da essência da verdadeira deslocação, seja física ou mental. Algo muda quando nos movimentamos; o regresso dá-se a algo parecido ao ponto de saída. Tudo é o mesmo, mas nós já mudámos.
O homem só pode ser descrito quando em movimento, a deslocar-se desde um ponto de partida, mas não necessariamente com destino certo. Há um “eu” fora da sua rede de relações.
A psicologia da viagem opõe-se à psicologia tradicional, aquela que estuda o homem num contexto de imobilidade e estabilidade.
Em “Lectio Brevis”. A autora polaca reduz ao âmago a ideia subjacente a todo o livro. Diz a personagem, numa lição breve num aeroporto:
“Um conceito importante na Psicologia da Viagem é o desejo; é ele que empresta movimento ao ser humano e lhe indica a direcção, despertando nele o impulso de se dirigir rumo a algo. O desejo em si é vazio, quer dizer, apenas aponta para uma direcção, mas não para o objectivo; o objectivo mantém-se sempre fantasmagórico e pouco claro; quanto mais nos aproximamos dele, mais enigmático ele se torna. Não se pode satisfazer o desejo. O conceito que ilustra este processo de aspiração é a preposição «para». Para-algo.”
E até a própria estrutura da narrativa parece ser justificada nas palavras da palestrante.
Nas ideias normativas das ciências exactas não existe “qualquer primum filosofico”; isso implica a impossibilidade de construir uma argumentação baseada numa relação causa-efeito, “nem narrativas de acontecimentos casuisticamente sucessivos e resultantes uns dos outros.”
Em detrimento da sequência linear, é a constelação a demonstrar a verdade do caminho.
O Comité de decisão do Prémio Nobel de Literatura tem vindo a tentar abrir o cânone literário. Bob Dylan, Svetlana Alexievich e agora Torkaczuk- embora em menor grau do que os anteriores- constroem narrativas afastadas da estrutura mais romanesca.
"Viagens" é quase inclassificável. Pode um romance ser assim? Pode, porque não há género narrativo mais moldável e permeável do que o romance. E esta estrutura de “Viagens” é a forma ideal para as ideias de Olga Tokarczuk.
“A vida humana é constituída por situações. Existe, porém, uma certa inclinação para repetir comportamentos. Mas essa repetição não implica que não se possa atribuir à vida a ilusão de esta ser um todo com a sua própria sequência”
Editor Cavalo de Ferro
Data de lançamento 04/03/2019
EAN 978-9896232702
ISBN 9789896232702
Dimensões 15 x 22,5 cm
Nº Páginas 352
Encadernação Capa mole
Preço 19,99
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