Pessoal e transmissível. Eis uma lista de potenciais prendas natalícias ou boas opções para as trocas na ressaca do Natal.
Este foi um ano muito bom em termos de edição. A Não-Ficção e a Ficção tiveram títulos com grande qualidade num espectro bem alargado de editoras. São estes entre os muitos que foram lidos. São estes, mas bem poderiam também estar outros, não fosse a necessidade de economia de espaço.
Sem mais adiamentos, eis a lista dos melhores de 2019 para o Livrómano. A próxima década promete. Terminem com estes, terminem em beleza.
Boas leituras
1- (Livro do Ano)
Sabrina (Porto Editora), de Nick Drnaso
É pouco provável ficar indiferente à melancolia, solidão e angústia de “Sabrina”. Nick Drnaso utiliza os silêncios como poucos o conseguem. Tal como a ausência de Sabrina Gallo, é o silêncio que mais se impõe. As possibilidades próprias da narrativa gráfica exponenciam a ausência de comunicação. As elipses, de desenho para desenho, fazem do silêncio o que a narrativa romanesca dificilmente conseguiria.
2- Se o disseres na montanha (Alfaguara), de James Baldwin
Assistimos à tacanhez de uma sociedade religiosa e pentecostal dos anos 50, sofrida devido à segregação racial. No meio desta cerimónia está John Grimes, um menino de 13 anos, a entrar na adolescência, que começa a interrogar tudo e todos. E a interrogar-se. James Baldwin é delicado na sugestão do princípio do desejo sexual em John. Faz 14 anos, vê o corpo de uma mulher nua numa mancha amarela no teto, lembra-se de ter pensado, na casa de banho da escola, em “rapazes, mais velhos maiores, valentes, que faziam apostas uns com os outros sobre quem conseguia o maior arco de urina, e viu acontecer em si uma transformação de que não se atrevia a falar”.
A pungência do episódio na igreja, com vozes evangélicas unidas num coro gospel, de crentes batendo com os pés no chão enquanto levantam as palmas das mãos ao céu e louvam Deus ao toque melódico do pregador Elisha oferece das melhores páginas de literatura que li este ano. O leitor está lá, consegue ver o suor a correr pelas testas dos crentes, os esgares feéricos da fé nas suas caras, o fervor das almas, a cadência das pandeiretas. "Se o disseres na montanha" é um livro extraordinário
3- Serotonina (Alfaguara), de Michel Houellebecq
Embalado pelo doce sarcasmo de um misógino, o leitor ri-se de vergonha alheia. Michel Houellebecq dá-nos “Serotonina” (Alfaguara) para nossa felicidade. Um grande livro de um autor que sabe como poucos administrar polémica. Floren-Claude Labrouste é um homem que vive no seu próprio inferno feito por ele à sua conveniência. A descoberta de vídeos eróticos em que sua namorada pratica sexo com animais ajudou-o cair na misantropia. Ele detesta-se e detesta os outros. O que seria uma negra e pesada prosa é antes uma sarcástica e bem-humorada crónica dos nossos dias.
Assistimos à tacanhez de uma sociedade religiosa e pentecostal dos anos 50, sofrida devido à segregação racial. No meio desta cerimónia está John Grimes, um menino de 13 anos, a entrar na adolescência, que começa a interrogar tudo e todos. E a interrogar-se. James Baldwin é delicado na sugestão do princípio do desejo sexual em John. Faz 14 anos, vê o corpo de uma mulher nua numa mancha amarela no teto, lembra-se de ter pensado, na casa de banho da escola, em “rapazes, mais velhos maiores, valentes, que faziam apostas uns com os outros sobre quem conseguia o maior arco de urina, e viu acontecer em si uma transformação de que não se atrevia a falar”.
A pungência do episódio na igreja, com vozes evangélicas unidas num coro gospel, de crentes batendo com os pés no chão enquanto levantam as palmas das mãos ao céu e louvam Deus ao toque melódico do pregador Elisha oferece das melhores páginas de literatura que li este ano. O leitor está lá, consegue ver o suor a correr pelas testas dos crentes, os esgares feéricos da fé nas suas caras, o fervor das almas, a cadência das pandeiretas. "Se o disseres na montanha" é um livro extraordinário
3- Serotonina (Alfaguara), de Michel Houellebecq
Embalado pelo doce sarcasmo de um misógino, o leitor ri-se de vergonha alheia. Michel Houellebecq dá-nos “Serotonina” (Alfaguara) para nossa felicidade. Um grande livro de um autor que sabe como poucos administrar polémica. Floren-Claude Labrouste é um homem que vive no seu próprio inferno feito por ele à sua conveniência. A descoberta de vídeos eróticos em que sua namorada pratica sexo com animais ajudou-o cair na misantropia. Ele detesta-se e detesta os outros. O que seria uma negra e pesada prosa é antes uma sarcástica e bem-humorada crónica dos nossos dias.
4- Lanny (Elsinore), de Max Porter
Max Porter, autor do singular O Luto é a Coisa Com Penas, merece ser lido com especial atenção. A estranheza na prosa e na estrutura dos seus livros separam-no do expectável. Se O Luto É a Coisa Com Penas rompe com a definição de romance, Lanny vai ainda mais longe. Se procura algo diferente, encontra-o em Lanny. É energia crua que percorre a espinha. Crua e dura. O leitor trabalhe para decifrar a escrita de Max Porter. Descobrirá maravilhas.
N. T. Wright, bispo anglicano estudioso do Novo Testamento, leva-nos a conhecer o pensamento de São Paulo através das vicissitudes da sua vida. A Estrada de Damasco é pedra angular da filosofia deste homem que de zeloso fariseu e perseguidor de cristãos se transformou em devoto seguidor de Jesus. O autor procura conhecer o homem por trás dos textos, incluindo “toda a informação relevante dentro de um enquadramento tão simples quanto possível.” E sem cair num tom laudatório. “São Paulo, a biografia” é um documento importante para quem procura “entrar na mente, no entendimento, na ambição (se é esta a palavra) do apóstolo Paulo, conhecido antes por Saulo de Tarso”
6- Leonardo Da Vinci (Porto Editora), de Walter Isaacson
Esta monumental obra de Walter Isaacson procura dar a conhecer um dos maiores génios da humanidade. Biografia de 671 páginas tem como base os cadernos de Leonardo da Vinci, estabelecendo, a partir daí, conexões com as suas obras e a sua vida. São 7200 páginas de anotações e rabiscos que revelam a dimensionalidade do seu génio e baseiam as ilações de Walter Isaacson. “Os seus cadernos são o maior manancial de curiosidades alguma vez criado, um guia espantoso para a pessoa que o eminente historiador de arte Keneth Clark denominou como « o homem mais insaciavelmente curioso da história”. Um livro imperdível.
Esta monumental obra de Walter Isaacson procura dar a conhecer um dos maiores génios da humanidade. Biografia de 671 páginas tem como base os cadernos de Leonardo da Vinci, estabelecendo, a partir daí, conexões com as suas obras e a sua vida. São 7200 páginas de anotações e rabiscos que revelam a dimensionalidade do seu génio e baseiam as ilações de Walter Isaacson. “Os seus cadernos são o maior manancial de curiosidades alguma vez criado, um guia espantoso para a pessoa que o eminente historiador de arte Keneth Clark denominou como « o homem mais insaciavelmente curioso da história”. Um livro imperdível.
O leitor vai em viagem pelo pensamento desta mulher complexa e assombrada por vozes e desejos sombrios. Virgínia Woolf desnuda-se sem reservas, deixando ligações entre os dias, ideias e obras literárias.
"A pedra de toque de um livro (para um escritor) é o momento em que o livro oferece enfim um espaço onde, com toda a naturalidade, se pode dizer o que se quer dizer. Como esta manhã, em que pude dizer o que Rhoda disse. Isto vem provar que o livro tem uma vida própria: porque não esmagou o que eu queria dizer, antes me permitiu introduzi-lo mansamente, sem uma tensão, sem uma alteração."
Nem só de dilemas existenciais se ocupa o quotidiano da autora nascida em Londres, a 25 de Janeiro de 1882 . Assuntos mais prosaicos interferiam na sua produção literária:
" E estou a pensar em comçar a trabalhar As Ondas. Há mais de seis semanas que não pego nele. Só que hoje a manhã voltou a ficar estragada porque estou à espera de uma mulher a dias que não me aparece. E convidámos a Lyn e Sir R. para o chá"
Monumento literário que vale por si só, consegue também exponenciar a compreensão de obras como "Orlando", "Rumo ao Farol" ou "Um Quarto que seja Só Seu".
Os diários de Virgínia Woolf, tanto este volume como o precedente ("Diário 1915-1926") são livros de cabeceira para serem lidos e relidos.
"A pedra de toque de um livro (para um escritor) é o momento em que o livro oferece enfim um espaço onde, com toda a naturalidade, se pode dizer o que se quer dizer. Como esta manhã, em que pude dizer o que Rhoda disse. Isto vem provar que o livro tem uma vida própria: porque não esmagou o que eu queria dizer, antes me permitiu introduzi-lo mansamente, sem uma tensão, sem uma alteração."
Nem só de dilemas existenciais se ocupa o quotidiano da autora nascida em Londres, a 25 de Janeiro de 1882 . Assuntos mais prosaicos interferiam na sua produção literária:
" E estou a pensar em comçar a trabalhar As Ondas. Há mais de seis semanas que não pego nele. Só que hoje a manhã voltou a ficar estragada porque estou à espera de uma mulher a dias que não me aparece. E convidámos a Lyn e Sir R. para o chá"
Monumento literário que vale por si só, consegue também exponenciar a compreensão de obras como "Orlando", "Rumo ao Farol" ou "Um Quarto que seja Só Seu".
Os diários de Virgínia Woolf, tanto este volume como o precedente ("Diário 1915-1926") são livros de cabeceira para serem lidos e relidos.
É um dos indispensáveis deste ano. A "Ficção Curta Completa" reúne 21 textos de Herman Melville, metade dos quais são, pela primeira vez, publicados em língua portuguesa.
Esta edição divide-se em 3 fases:
Os Contos da Piazza, Histórias e Esboços Dispersos e o inacabado Billy Budd, Marinheiro.
Os Contos da Piazza incluem clássicos Benito Cereno ou ou Bartleby, o escrivão.
Esta edição divide-se em 3 fases:
Os Contos da Piazza, Histórias e Esboços Dispersos e o inacabado Billy Budd, Marinheiro.
Os Contos da Piazza incluem clássicos Benito Cereno ou ou Bartleby, o escrivão.
Autor universalista como poucos, demonstra a destreza na ficção curta além do monumental "Moby Dick". Eis o contraponto, em tamanho: Bartleby está nos antípodas de Ismael, mas a substância é a mesma. "Ah, a humanidade", é dito na última frase da pequena novela. O mesmo se aplica a Moby Dick, o mesmo se aplica a Billy Budd, o mesmo se pode detectar nas ficções reunidas pela E-Primatur neste volume.
Uma boa prenda de Natal. Se o seu amigo quiser trocar no período pós-natalício, pondere em trocar de amigo.
Uma boa prenda de Natal. Se o seu amigo quiser trocar no período pós-natalício, pondere em trocar de amigo.
9- "Tchékhov na vida: argumentos para um pequeno romance" (Relógio d`Água), de Ígor Sukhikh
O que fazer com um autor que dizia sofrer de “autobiografofobia”?
A montagem biográfica orientada por Ígor Sukhikh parece ser a resposta mais correcta a tal interrogação. Em “Tchékhov na vida: argumentos para um pequeno romance”, o biógrafo deixa os documentos “falarem” sobre o proeminente escritor nascido em Taganrog, a 17 de Janeiro de 1860. A sua voz raramente se dá a conhecer. São as visões de quem conheceu Tchékhov, de quem o estudou e dos seus amigos que delimitam a personalidade do biografado. Cartas, fragmentos de ficções, perspectivas de outros autores (Gorki, Tolstoi, Bunin) justificam as 358 páginas, organizadas em 51 pontos, sobre esta proeminente figura da literatura universal.
Pouco escritores captam o humanismo como o autor de “O Tio Vânia”. Amfiteátrov chamou-lhe “o mais profundo dos observadores objectivistas”. O mesmo se poderia dizer de Sukhikh devido a este trabalho de filigrana. O professor de História da Literatura Russa, na Universidade Estatal de São Petersburgo, dá ao leitor uma potente lanterna. Que seja o leitor a alumiar a pessoa de Tchékhov para melhor conhecer a sua obra.
O que fazer com um autor que dizia sofrer de “autobiografofobia”?
A montagem biográfica orientada por Ígor Sukhikh parece ser a resposta mais correcta a tal interrogação. Em “Tchékhov na vida: argumentos para um pequeno romance”, o biógrafo deixa os documentos “falarem” sobre o proeminente escritor nascido em Taganrog, a 17 de Janeiro de 1860. A sua voz raramente se dá a conhecer. São as visões de quem conheceu Tchékhov, de quem o estudou e dos seus amigos que delimitam a personalidade do biografado. Cartas, fragmentos de ficções, perspectivas de outros autores (Gorki, Tolstoi, Bunin) justificam as 358 páginas, organizadas em 51 pontos, sobre esta proeminente figura da literatura universal.
Pouco escritores captam o humanismo como o autor de “O Tio Vânia”. Amfiteátrov chamou-lhe “o mais profundo dos observadores objectivistas”. O mesmo se poderia dizer de Sukhikh devido a este trabalho de filigrana. O professor de História da Literatura Russa, na Universidade Estatal de São Petersburgo, dá ao leitor uma potente lanterna. Que seja o leitor a alumiar a pessoa de Tchékhov para melhor conhecer a sua obra.
10- "Milkman" (Porto Editora), de Anna Burns
Percebe-se a atribuição do “Man Booker Prize 2018” a “Milkman”. A voz de Anna Burns tem uma toada diferenciadora, viciante, até quase hipnótica. A tensão é constante; o leitor não sabe quem é o leiteiro, não sabe o que vai acontecer à “Irmã do Meio” e muito menos sabe sobre o fim das hostilidades militares nesta cidade não nomeada. Mas sabe que Anna Burns consegue construir uma personagem marcante num ambiente opressivo e sempre verosímil.
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