Eleito por Deus, Imperador que ocupou o trono por mais de 40 anos, eis HaileSelassie, Grande Senhor da Etiópia. Acreditava-se que conseguia mudar a vida de alguém só com um olhar, tal qual messias espiritual e religioso. Durante o período em que exerceu o poder, a Etiópia era um país sem liberdade, onde o dramático e o humorístico, a beleza e o grotesco eram faces da mesma moeda. ““Por causa do encontro dos presidentes, o Imperador ofereceu um banquete impressionante. Para isso mandou-se vir da Europa, em voos especiais, vinhos e caviar. (…) Foram convidadas mais de três mil pessoas, dividindo-as hierarquicamente em várias categorias - superiores e inferiores; a cada categoria era atribuído um convite de cor diferente onde estavam escritas as diferentes ementas. (…) Na escuridão da noite, enterrada no barro e debaixo de chuva, apinhava-se uma multidão de mendigos descalços a quem os que trabalhavam no barracão, lavando pratos e talheres, atiravam as sobras das bandejas." A importância e dignidade estavam proporcionalmente ligadas à submissão. Eram os súbditos que dotavam Selassie e o seu trono de importância. E o contrário também era verdade. Quanto mais próximo se estava do “Deus encarnado” mais importante se era na sociedade. A quantidade de encontros com o Imperador era vital para a existência de muitos membros. Quem falava “ao seu ouvido” era admirado e invejado.“O Imperador” (Livros do Brasil), uma das mais importantes obras de Ryszard Kapuściński (1932-2007), reporta esse período não só pela voz do jornalista, mas também pela de muitos que frequentaram os salões, os escritórios, o palácio. Essa pluralidade de perspectivas são amplamente visívas da ditadura na Etiópia. A fome, a luta de bastidores, a queda e a morte de Selassie são testemunhadas por quem esteve por dentro da História, desde a riqueza dos banquetes até à conspiração e declínio. “Aproximadamente por aquela altura [depois da queda do Imperador], estalou a loucura das fetashas (…). Fetasha é uma palavra amhárica que significa revistar. Toda a gente se dedicou, de imediato, a revistar-se reciprocamente; de manhã à noite; vinte e quatro horas por dia; em todo o lado; sem dar tempo para respirar. A revolução dividiu as pessoas em fações e a luta começou. Como não havia barricadas nem trincheiras, nem sequer outras linhas claras de demarcação, qualquer um podia ser o inimigo." Ryszard Kapuściński fez o que tão bem fazia: pôs-se em perigo para registar e reportar um momento histórico. Com maior ou menor tom romanesco, o autor polaco escreveu mais um documento essencial, sempre em tom literário, sempre cativante.
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