Elena Ferrante fecha “Quarteto
Napolitano” com obra magnífica.
Fim do caminho para Lenù e Lila?
Uma das mais entusiasmantes
relações parece chegar ao fim. A
complexa ligação entre Lenù e Lila tem em
"História da
Menina Perdida" (Relógio d`Água) o seu epílogo. Elena Ferrante entrega ao
leitor o último e um dos mais brilhantes capítulos da história destas duas
personagens.
"História da Menina Perdida"
abre onde "A Amiga Genial", primeiro livro do “Quarteto
Napolitano", fechou. O desaparecimento de Lila motiva Elena Greco (ou Lenù)
a escrever a história da relação hipnótica e visceral com
a amiga. Durante “A Amiga Genial”, “História do Novo Nome”, “História de Quem
Vai e de Quem Fica” e neste último capítulo, elas antagonizaram-se e complementaram-se.
Foi no confronto que se definiram.
O bairro de Nápoles, onde as duas cresceram, é um personagem colectivo. As mudanças sociais em Itália, ocorridas entre o período de 50 a 80/90, são narradas nesse bairro, através do olhar atento da narradora sobre os costumes e dinâmicas entre famílias.
O bairro de Nápoles, onde as duas cresceram, é um personagem colectivo. As mudanças sociais em Itália, ocorridas entre o período de 50 a 80/90, são narradas nesse bairro, através do olhar atento da narradora sobre os costumes e dinâmicas entre famílias.
Ao longo do
ciclo "A Amiga Genial", a identidade da napolitana
Elena Ferrante foi discutida.
Terminou o ciclo, mas o debate ainda não. O ano de 2016 fica marcado
pela investigação de Claudio Gatti.
O jornalista italiano publicou em "Il Sole
24 Ore" um extenso
artigo em que apontou Anita Raja, uma tradutora italo-germânica residente em
Roma, como a “verdadeira” Ferrante. A reprodução em jornais como o "Frankfurter Allgemeine Zeitung" e "The New York Review of Books" amplificou o alcance de
tal investigação. O debate sobre a importância desta revelação alastrou-se
pelos jornais e pelas redes sociais.
Com ou sem importância, a verdade
é que a dualidade realidade - ficção e a relação entre experiências pessoais e
acontecimentos ficcionados é essencial no "Quarteto Napolitano". Lenù,
escritora, confessa:
"Esta manhã ponho o cansaço
de lado e sento-me de novo à secretária.
Agora que estou perto do ponto mais doloroso da nossa história, quero procurar
na página um equilíbrio entre mim e ela que não consegui encontrar na vida, nem
tão-pouco entre mim e mim".
As marcas da relação biográfica
sobre a escrita, mesmo que Lenù seja uma
ficção a falar de algo ficcionado, são indeléveis. O
trabalho da imprensa (págs. 248,249) revela-se de grande importância. A
reportagem de um jornalista liga a narração de Lenù, enquanto escritora, à
realidade de Nápoles. Principalmente do bairro. Tudo o que fora ficcionado
aparece, depois da reportagem, sob outra luz. Os acontecimentos do livro são
ligados aos daquela localidade. As fotos da casa de Lenù,
das ruas, de alguns estabelecimentos servem de contexto para o que foi
ficcionado. As palavras ditas na entrevista descodificam a história. As
pessoas reconhecem-se, ou julgam reconhecer-se. Lenù
não reage bem. “Eu tinha escrito um
romance”, afirma. A ficção é sempre algo diferente da realidade. Serão
estas as razões para a identidade de Ferrante permanecer escondida?
As adjectivações a que é sujeita, como a de ser "porca", por causa das cenas de sexo nos seus livros são sintomas da estreita ligação entre biografia e ficção. Neste caso, vão além dessa ligação. Anos depois desse incidente, uma personagem afirma que a autora tem de se actualizar, pois afinal não era assim tão porca: "já viste as coisas pornográficas que se escrevem hoje?", diz Marisa.
As adjectivações a que é sujeita, como a de ser "porca", por causa das cenas de sexo nos seus livros são sintomas da estreita ligação entre biografia e ficção. Neste caso, vão além dessa ligação. Anos depois desse incidente, uma personagem afirma que a autora tem de se actualizar, pois afinal não era assim tão porca: "já viste as coisas pornográficas que se escrevem hoje?", diz Marisa.
As mudanças sociais em Nápoles são paralelas
à evolução das ligações entre as pessoas do bairro, especialmente
entre Lila e Lenù. Aquele bairro
é uma ilha com o seu dialecto e leis
próprias. As diferentes relações de poder vão-se alterando com o decorrer dos
anos. As posições revolucionárias esbatem-se. Os mafiosos poderosos perdem
importância e são presos ou mortos. O
aparecimento da droga e da SIDA, nos anos 80, altera as dinâmicas sociais.
Há mortos e decadência física e social. Lila parece
ser uma vencedora nos parâmetros de Darwin. Ela adapta-se e vence.
Consegue fundar uma empresa que aproveita as novas tecnologias. A sua
influência cresce. As pessoas do bairro anseiam pela oportunidade de trabalhar
para Lila.
Lenù, que entretanto vai morar para um apartamento degradado no mesmo prédio de Lila, detecta essa influência:
Lenù, que entretanto vai morar para um apartamento degradado no mesmo prédio de Lila, detecta essa influência:
“ (…) E [Lina]
controlava todos à sua maneira habitual: Carmen, Marisa, Enzo, António, o seu filho, e os filhos dos outros"
A capacidade dessa amiga genial em prever tendências não se fica pelo mercado. Ela conhece melhor do que ninguém as lógicas locais do bairro em que habita. Mesmo de pessoas, como Nino, que já saíram de lá há muito tempo. Informal ou formalmente é Lila que orienta e prevê comportamentos.
A capacidade dessa amiga genial em prever tendências não se fica pelo mercado. Ela conhece melhor do que ninguém as lógicas locais do bairro em que habita. Mesmo de pessoas, como Nino, que já saíram de lá há muito tempo. Informal ou formalmente é Lila que orienta e prevê comportamentos.
A mãe de Lenù acaba por afirmar que gostaria que a sua filha fosse
mais à imagem de Lila, vista como uma honrada vencedora naquele meio tão
fechado. Muito longe do que era Lenù, por causa do seu romance com Nino
Sarratore.
A projecção da mãe nela e
nos filhos assombra Lenù. Pietro,
o ex-marido, chega
a afirmar:
"és como a tua mãe se ela tivesse
estudado e se pusesse a escrever romances"
O feminismo apregoado por Lenù não é o
praticado. A sua submissão a Nino é evidente. A própria maternidade é relegada.
As filhas, em choro, vêem a mãe relegar
as suas súplicas. O
sentimento de culpa pesa-lhe. No entanto, Lenù não atende as
filhas e parte ao encontro de Nino.
A Mulher, na literatura de
Ferrante, assume toda a sua complexidade.
A insubordinação não acontece de um momento para o outro.
A insubordinação não acontece de um momento para o outro.
Lentamente, Lenù afasta-se do
momento em que se pensou como incapaz de ser modelo dela mesma, sempre
dependente de Nino para se "expandir para fora do bairro". Os
encontros com os leitores são a catarse de uma mulher que procura aceitar as
suas contradições e afirmar-se. Sem Nino e sem o ex-marido. Sem Lila.
Lenù rompe comportamentos
através da experiência. A acção aproxima-se
cada vez mais das afirmações que profere nos encontros com os leitores. Ela
constrói uma nova narrativa através do erro, da dor,
análise e do conhecimento. Entre a palavra e a acção está a
experiência.
A gravidez de Lenù e de Lina, em simultâneo, aproxima-as. O diferente destino de cada uma das filhas irá afastá-las.
Elena Ferrante construiu duas personagens com profunda complexidade. Lenù e Lila conseguiram a atenção de milhares de leitores.
A gravidez de Lenù e de Lina, em simultâneo, aproxima-as. O diferente destino de cada uma das filhas irá afastá-las.
Elena Ferrante construiu duas personagens com profunda complexidade. Lenù e Lila conseguiram a atenção de milhares de leitores.
O fim fica em aberto. Onde está
Lila?
Encontrá-la-emos sempre na brilhante e hipnótica prosa da escritora napolitana.
Encontrá-la-emos sempre na brilhante e hipnótica prosa da escritora napolitana.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=852524
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