O destino especial dos portugueses
No segundo dia do Festival Literário da Gardunha,
Dulce Maria Cardoso, Pedro Mexia, Mário Zambujal e o professor Alexandre Manuel
(moderador) participaram na primeira “Mesa Redonda”, no Teatro Clube de
Alpedrinha.
O Festival Literário da Gardunha começou no
Auditório Moagem, no dia anterior, e continuou fora do Fundão, no Teatro Clube
de Alpedrinha.
A paisagem envolvente já promete as desejadas
cerejas. Os caprichos da Natureza atrasaram a produção deste ano.
Dulce Maria Cardoso, que esteve em residência
literária ao abrigo do festival, revelou que a cereja era vangloriada em
Angola, durante a infância da autora.
Devido à sua delicadeza, a cereja chegava mirrada e
pouco saborosa a um país onde os frutos são luxuriosos. Mesmo assim, os
portugueses comiam o fruto vindo da sede do Império como se fosse de sabor e
aspectos raros.
As experiências e imagens coleccionadas na infância
são matéria-prima para a criação literária da autora de livros como “O
Retorno”, “Campo de Sangue” ou “Os Meus Sentimentos”.
“Eu ainda
cantei hinos ao Império, na escola”, afirmou.
A mistificação do Império era algo muito presente.
“Tudo isto me
foi vendido pessoalmente”.
Para Dulce Maria Cardoso, os portugueses pensam ter
um destino especial; é algo que já vem dos Descobrimentos. Aos poucos, a
História vai sendo descoberta.
“Seis Milhões
de africanos foram deslocados para o Brasil”.
A versão actual ainda é dominada pela ficção. Só
mais tarde teremos ensaios e estudos que permitirão saber a verdade.
“Fomos aos
rio de Meca, Pelejamos e roubamos”, disse a autora citando Gil Vicente.
Pedro Mexia, actual consultor para a cultura do
Presidente da República, disse que para os portugueses a viagem é uma espécie
de justificação. É uma forma de autodescoberta.
Os portugueses procuraram na viagem (e na expansão)
uma forma de contrariar a pequenez geográfica. A viagem transformou-se num
desígnio.
A desintegração do Império marcou Portugal. A
pequenez geográfica originou uma ferida narcísica, característica não
partilhada por Inglaterra, cujo império também se desmantelou.
Segundo Pedro Mexia, a crítica à expansão aparece
muito cedo na literatura portuguesa. Sá de Miranda, Gil Vicente e Camões são
mordazes. “Auto da Índia”, de Gil Vicente, é particularmente violento. No
entanto, existe também no ser humano um impulso para a descoberta de o Outro,
sem intuitos marcados pelo egoísmo.
Mário Zambujal chegou ao Teatro Alpedrinha “fresco
de paisagens”. Antes da “Mesa Redonda”, o autor de “Crónica dos Bons Malandros”
esteve num colóquio sobre vinhos na região do Douro. Confessou ter feito todas
as provas de vinho.
Mário Zambujal não se sente tentado a escrever
sobre paisagens, pois vê-as como inertes. As paisagens humanas são-lhe mais
entusiasmantes.
“Viajei muito
no tempo em que se viajava pouco. O que nos encanta é a novidade e a surpresa.
Isto vai-se perdendo”
O escritor confessou que quando está no estrangeiro
quer voltar para Portugal.
“Sou um
portugalão. Sou mesmo daqui. Adoro estar aqui.”
Segundo Mário Zambujal, a viagem só é perfeita
quando a cabeça está a observar o que os olhos vêem.
O segundo e último dia de viagem do Festival
Literário da Gardunha viria a voltar ao Fundão para, depois de várias “Mesas
Redondas”, terminar com a Conversa Cruzada entre Tiago Salazar e Clara Ferreira
Alves sobre viagens.
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