A simplicidade é fruto de muito trabalho. Valter Hugo Mãe (n.1971) procura que a luz entre no texto. E consegue. “Contos de Cães e Maus Lobos” (Porto Editora) reune 11 histórias simples. São contadas com a tradicional sinceridade e sensibilidade do multipremiado autor português.
Antes de “Contos de Cães e Maus Lobos”, o
público infantil já havia sido chamado a habitar a imaginação do escritor.
Obras como “O Paraíso São os Outros”, “As Mais Belas Coisas do Mundo” e “O Rosto”
foram pensadas e escritas para as crianças.
“Contos de Cães e Maus Lobos” tem
potencialidade para agradar a várias faixas etárias O habitual leitor dos
romances de Valter Hugo Mãe não se vai desiludir. As crianças que agora já lêem
ou, simplesmente, ouvem as histórias pela voz do pai ou da mãe são encantadas. As
narrativas foram construidas para elas e têm na ética a principal substância
“Eu queria ser sagaz, ter
perspicácia, estar sempre inspirado. O meu avô pedia que não me desiludisse.
Quem se deslide morre por dentro. Dizia: é urgente viver encantado. O encanto é
a única cura possível para a inevitável tristeza."
Assuntos como a liberdade, física ou de pensamento, a
harmonia entre Homem e Natureza, a perda da inocência, a velhice, a relação dos
meninos e meninas com os pais e os avós marcam o conteúdo dos contos. E a Morte,
também. “As Mais Belas Coisas do Mundo”, um dos contos mais intensos, mostra o
início da noção de finitude por parte da criança. A inocência vai desaparecendo
no vazio deixado pelos seus avós.
Já em “O Mau Lobo”, a relação da neta com a avó é de
espanto e de respeito.
“A minha avó traz um milagre de cada gesto”, afirmou a menina enquanto levava bolinhos frescos pelo meio da floresta e
dos lobos. “O Mau Lobo” é uma reinterpretação de “O Capuchinho Vermelho”, conto
publicado por Perrault e, posteriormente, pelos irmãos Grimm. Valter Hugo Mãe
substitui o duelo entre animal e homem, entre malícia e inocência, pela total
harmonia entre hipotéticos opostos. Sempre numa prosa encantatória e com a
colaboração de diversas artes plásticas.
O interesse de Valter Hugo Mãe pela
pluralidade da expressão artística encontra neste livro motivo para promover a
participação de diversas áreas. A letra do escritor coopera com a criatividade
de Ana Aragão, Paulo Damião, David de La Mano, Filipe Rodrigues, Joana
Vasconcelos com Alice Vasconcelos, Daniela Nunes, Nino Cais, Luís Silveirinha,
Cadão Volpato, José Rodrigues, Graça Morais, JAS, Duarte Vitória. A relação com
os livros começa no autor, passa pelos diferentes artistas presentes até ser
directamente abordada em “O Rapaz que Habitava os Livros”:
“Os livros estão
esbugalhados a olhar para nós. Quando os seguramos, páginas abertas, eles
também estão esbulhados a olhar para nós”
Em “Contos de Cães e Maus Lobos”, a
ligeira amargura é o pórtico da reconciliação. Os 11 contos foram trabalhados
até atingirem simplicidade. A preocupação com a oralidade está presente em
todas as narrativas. São textos para serem descobertos e transmitidos de pais
para filhos.
A criança entra num mundo-espelho do
escritor: inteligente, sensível e com incrível capacidade de criar empatia com
o outro.
Mia Couto, autor do prefácio, escreveu que
“a escrita de Valter sugere, a todo o
momento, que os outros somos nós mesmos”
No “Fronteira - Festival Literário de
Castelo Branco” aconteceu um de muitos momentos exemplificativo dessa
capacidade de Valter Hugo Mãe.
Uma leitora levantou-se no meio do público
para fazer um comentário sobre a escrita do autor. Muito nervosa, disse que ao
filho recém-nascido, quando ele começasse a ler, ela lhe colocaria um livro do
Valter Hugo Mãe nas mãos.
Este pode ser esse livro.
“Contos de Cães e Maus Lobos” nas mãos e
na imaginação de uma criança é uma excelente conjugação.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=806797
Mário Rufino
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