Fólio faz a ponte aérea entre Óbidos e Cuba
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A 1ª edição do Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos iniciou-se no dia 15 de Outubro e decorrerá até ao dia 25. A intensa actividade cultural dos onze dias do Fólio é suportada por cinco “pilares”: Autores, Folia, Ilustra, Paralelo, Educa.
O Fólio Autores, com curadoria de José Eduardo Agualusa, promove o encontro entre autores, alunos, professores, editores, livreiros e público com a Literatura. No âmbito da sua organização acontecem as “Mesas de Autores”.
A primeira “Mesa de Autores” aconteceu no dia 21, com presença de Rachel Kushner (Oregon, E.U.A.) e Karla Suárez (Havana, Cuba). As duas escritoras foram entrevistadas por José Mário Silva sobre as suas obras e sobre o reatamento das relações entre os Estados Unidos da América e Cuba.
Na Tenda de Autores, com pouco público, as duas escritoras partilharam a experiência que têm com a história e a realidade cubana. Provenientes de vivências díspares, os relatos, tal como a respectiva relação com as obras que as autoras escreveram, são complementares.
Rachel Kushner falou de como “Telex de Cuba” (Relógio d`Água) se baseou na visão da sua família e do seu próprio testemunho sobre a realidade cubana. “Telex de Cuba” tem como fundo a saída dos americanos em consequência da revolução cubana.
A United Fruit Company, quando Fidel Castro subtrai o poder a Fulgêncio Batista, era a companhia empresarial com mais influência no território. O seu poder tentacular ia desde da escravidão dos seus “trabalhadores” até ao tráfico de influências entre os homens mais poderosos.
A autora, que confessou ser anticapitalista, deu a conhecer o período vivido pela sua família, na Cuba de Baptista, e o posterior regresso aos locais onde os seus pais viveram, ainda antes do nascimento de Rachel. Muitos anos mais tarde, eles foram os primeiros americanos a voltar a Nicaro, aldeia perto do epicentro da influência da United Fruit Company. Rachel Kuschner contou que no local ainda se sentiam os resíduos das histórias contadas pela mãe: as casas continuavam a ser pintadas com cor de mostarda, tal qual a companhia pintava as casas dos seus trabalhadores mais qualificados. No entanto, o poder da empresa existia somente na memória dos mais antigos.
O relato da escritora norte-americana coincidiu em muitos aspectos com o de Karla Suárez, escritora cubana radicada em Portugal. Karla Suárez é autora de “Havana, Ano Zero”, entre outras obras. A sua infância e adolescência foram passadas em território cubano.
Formada em engenharia informática numa faculdade de Havana, Karla Suárez sempre se sentiu escritora. As grandes dificuldades sentidas no território, após o fim do apoio soviético, levantaram obstáculos somente ultrapassados com muito improviso.
“Havana, Ano Zero” acontece em 1993, dois anos após a oficialização da queda da URSS.
Segundo a escritora cubana, a década de 90 foi marcada pelo decréscimo de bens essenciais. Dia após dia os bens iam desaparecendo. Importante era saber o que iam comer no dia seguinte. Era o “período especial”, que de especial não tinha nada. Os testes na faculdade eram feitos no verso de folhas das teses académicas mais antigas.
Ainda segundo a escritora cubana, os residentes transformaram-se em “estrangeiros” no seu próprio país devido ao fomento do turismo e à implementação de duas moedas na economia. Há muitos locais onde não podem entrar.
O distanciamento temporal de Karla Suárez em relação a esse tempo permiti-lhe escrever de forma mais objectiva e menos revoltada. Os textos escritos nos anos em que lá viveu foram base informativa para “Havana, Ano Zero”.
“Escrever é uma forma de não esquecer”, afirmou.
A relação com o território cubano assenta na memória e tentativa de, através da ficção, relembrar as condições sociais, políticas e económicas de Cuba.
Rachel Kuschner terminou a “Mesa de Autores” com um episódio demonstrativo das dificuldades vividas pelos cubanos.
Contou a escritora norte-americana que foi jantar com amigos a um restaurante. Pediu uma piza, que se revelou ser uma exígua base de pão com algum tomate embrulhada em papel de um livro. Espreitou que folha era aquela e descobriu tratar-se de uma obra da literatura universal: “Siddhartha”, de Herman Hesse.
Comunicou estupefacta aos amigos que responderam:
“Não te preocupes. Já lemos”
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