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Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos: Gonçalo M. Tavares



O superlativo Gonçalo M. Tavares


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=795845





Os turistas enchem as ruas de Óbidos, guardam imagens nas suas máquinas fotográficas, mexem e remexem no artesanato e entrelaçam palavras em línguas estrangeiras numa babélica algaraviada. As veias da aldeia estão entupidas de caçadores de recordações. Óbidos foi conquistada pelo turismo.
Na quinta-feira, dia 22, Gonçalo M. Tavares deu uma aula gratuita sobre “Cegueira”, no Museu Municipal, foi entrevistado por Anabela Mota Ribeiro, na “Tenda dos Autores”, e terminou o dia com a apresentação de “O Torcicologologista, Excelência” (Caminho), na “Tenda dos Editores”.
Com Gonçalo M. Tavares, o “Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos” teve sempre salas cheias. Constantemente em passo de corrida de um local para o outro, somente abrandado ou parado por admiradores, Gonçalo M. Tavares teve no Museu Municipal a sua primeira actividade. O autor de “Jerusalém” começou por falar sobre um tipo de cegueira muito contemporâneo: a cegueira pela velocidade.
“O nosso olhar é muito acelerado, e a cegueira está muito ligada ao excesso de velocidade”.
E deu o exemplo de um comboio que acelera cada vez mais. O comboio em velocidade reduzida permite que uma pessoa repare nos pormenores de uma paisagem. Conforme vai acelerando, essa paisagem transforma-se em algo indistinto. Quem olha pode ter o paraíso ao seu lado, mas não o pode ver por causa da velocidade.
Seja na música, pintura, arquitectura, cinema, religião ou política (Luaty Beirão foi recordado), a incapacidade de se ver para além do geral invalida a observação do pormenor.
Quando o Homem abranda para ver e para pensar, tem possibilidade de reparar.
“Se Podes Olhar, Vê. Se Podes Ver, Repara”, escreveu Saramago.

A possibilidade de cegueira pela velocidade e pelo progresso começou a ser explanada na aula e teve continuação na entrevista com Anabela Mota Ribeiro.
O Homem contemporâneo quer sempre mais e rapidamente. O progresso tecnológico permite a ilusão de ubiquidade. O corpo está num lado, mas devido à velocidade de transmissão de dados (internet, por exemplo) a atenção está num local distante.
Gonçalo M. Tavares afirmou que a equação Progresso Tecnológico = Progresso Humano transmite a ideia de que o progresso tecnológico é positivo. Essa ideia é, para o escritor, das cegueiras mais violentadoras que existem.
Pomos máquinas onde deveria haver emprego. Criamos um espaço ilusório de comunicação rápida, onde antes havia comunicação pessoal. Muitas vezes são as avarias tecnológicas que propiciam o contacto mais humano. Pensemos na falta de electricidade. O homem é obrigado a abrandar e a reparar. A velocidade diminui e a atenção aumenta. O ponto de vista consegue apreender os pormenores de algo que era somente uma generalidade. É isto que também distingue os autores contemporâneos dos antigos. Segundo Gonçalo M. Tavares, tudo está contido nos clássicos. Se se analisar a desconstrução dos contos russos percebe-se que tudo está previsto. No entanto, o ponto de vista individual – o tal ponto de onde se observa - pode dotar a escrita de alguma originalidade. Na perspectiva do autor de “O Torcicologologista, Excelência” a escrita é uma actividade muito física. O verbo escrever está muito mais próximo dos verbos “andar” e “saltar” do que do verbo “pensar”. A sua escrita é muito intensa. Gonçalo M. Tavares escreve durante 3 ou 4 horas sem comer, sem beber, sem parar. O seu objectivo é que o pensamento seja simultâneo ao acto físico da escrita. É assim que lhe surgem os encontros mais inesperados entre as palavras. Essa luta contra o lugar-comum é inerente à literatura.
Posteriormente vem a fase mais analítica e menos interessante.
Quem pagou o bilhete para ver a entrevista e assistiu, gratuitamente, à aula sobre “Cegueira” deu o tempo e o dinheiro por bem gastos
Gonçalo M. Tavares foi superlativo. Fica expressa a admiração: Feliz é a geração que vê surgir um autor com tanta qualidade.




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