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"Assim foi Auschwitz" (Objectiva), de Primo Levi


O relatório do Horror


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=792343

No fim da Segunda Guerra Mundial, o exército alemão percebeu que os russos estavam a conquistar território e prestes a chegar a Auschwitz. Em consequência, milhares de prisioneiros foram retirados. Essa evacuação ficou conhecida como a Marcha da Morte. Quando o exército russo chegou a Monowitz, um dos campos pertencentes a Auschwitz, encontrou Primo Levi (n. Turim; 1919-1987) e Leonardo de Benedetti (n. Turim; 1898-1983), entre muitos outros prisioneiros. Por estarem doentes, tanto Benedetti como Levi haviam ficado no campo. De forma a documentar a atroz realidade dos “Lager”, o governo russo pediu a Primo Levi e a Benedetti que fizessem um documento sobre o quotidiano dos campos de extermínio. «Assim foi Auschwitz» é a resposta a esse pedido.
Esta obra editada pela Objectiva reúne depoimentos, cartas, fotos, notas e anexos sobre a destruição física e moral de judeus, ciganos, homossexuais e adversários políticos. Todos os documentos foram escritos entre 1945 e 1986.
Lendo os testemunhos, o leitor percebe que dentro daquele inferno as existentes réstias de humanidade estavam confinadas ao pão bolorento, à sopa insípida, ao salame exíguo, às reduzidas doses de remédios e à ridícula salubridade hospitalar. Eram réstias e momentâneas. Os prisioneiros, em caso de doenças incuráveis, eram levados para as câmaras de gás. Segundo a ironia e amargura de Levi, a matança era uma “medida profiláctica”.
Os guardas no campo, quando encaminhavam os prisioneiros para as câmaras de gás, eram de um cruel engano. Ao ditarem a entrada na câmara com chuveiros falsos,  diziam «Não economizem sabão» ou «Lavem-se, porque limpeza é saúde». As portas eram fechadas e pelas válvulas do tecto era lançado um preparado químico. No rótulo das latas, lia-se “Zyclon B - Para a destruição de todos os parasitas animais”.
Os guardas retiravam os dentes de ouro aos mortos, cremavam os corpos e usavam as cinzas como fertilizante das hortas e restantes terrenos.
“Assim foi Auschwitz” dispensa o filtro proporcionado pela ficção. A linguagem é mais objectiva, informativa e vinculada aos factos. Levi (principalmente) tenta ser denotativo no seu testemunho. O texto onde se aproxima mais da metáfora e da parábola é em “Esboço de texto para o interior do Block italiano em Auschwitz”. Nesse documento, escrito em 1978, o autor italiano escolhe a perspectiva dos mortos para responder à pergunta que lhe é muitas vezes feita: Por que continuar a falar das barbaridades da 2ª Guerra Mundial?
“Neste local, onde nós, inocentes, fomos mortos, chegou-se ao fundo da barbárie. Visitante, observa os restos deste campo e reflecte: de qualquer país de onde venhas, não és um estranho. Faz com que a tua viagem não tenha sido inútil, com que não tenha sido inútil a nossa morte. Para ti e para os teus filhos, as cinzas de Auschwitz sirvam de advertência: faz com que o fruto horrendo do ódio, cujos vestígios aqui viste, não dê novas sementes, nem amanhã nem nunca”
Primo Levi tem consciência da sua dupla condição de testemunha e de escritor. Desde o seu primeiro livro, o autor italiano quis que as suas obras fossem obras colectivas e que a sua voz fosse representativa das vítimas dos “Lager”. Serão os livros, de acordo com a vontade do autor, a ser “uma ponte entre nós [deportados] e os leitores.”
Conhecer a não-ficção permite ler com outra profundidade obras como “Se isto é um homem”. Em “Assim Foi Auschwitz”, “o leitor de Se isto é um homem encontrará - além de Jean Samuel, o «Pikolo», e Alberto - muitos outros que lhe são familiares, talvez com alguma variação ortográfica (...)”
Primo Levi suicidou-se em 1987. A depressão imposta pelo horror nunca o abandonou. Para Elie Wiesel, Nobel da Paz em 1986, Primo Levi morreu em Auschwitz, muito antes de se ter suicidado.
70 Anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, é urgente ler os testemunhos de quem suportou a desumanidade. 

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