Afonso Cruz e as suas singulares «Flores»
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«Flores» (Companhia das Letras/ Penguin Random House), o mais recente romance de Afonso Cruz, foi apresentado à imprensa no dia 03 de Setembro por Clara Capitão, responsável editorial, e pelo autor.
No Restaurante/Bar “O Topo”, no Martim Moniz, Clara Capitão afirmou que Afonso Cruz gosta de repensar continuamente a sua forma de escrever, o que motiva a editora a reinventar-se.
Em “Flores”, o autor opta por uma rara narração na primeira pessoa (só presente em “Os livros que devoraram o meu pai”) e por um registo totalmente diferente de “Mar”, 3º volume da Enciclopédia da Estória Universal, editado em Novembro de 2014.
A génese de “Flores” está em “A boneca de Kokoschka” (Prémio da União Europeia para a Literatura). É a partir de uma ideia mencionada nesse livro que o romance é construído. E de semelhante forma a “Para onde vão os guarda-chuvas”, Afonso Cruz utiliza histórias reais para construir um universo ficcional.
Pat Martino era, realmente, considerado um dos melhores guitarristas de Jazz. Ao descobrir que sofria de um aneurisma cerebral, o músico submeteu-se a uma cirurgia. Quando recobrou, não sabia tocar. Resolveu reaprender a tocar guitarra através da audição (e repetição) das suas músicas gravadas em disco. Em consequência, conseguiu readquirir a qualidade de outrora.
A fronteira entre ficção e realidade, vista através da literatura Afonso Cruz, é algo muito ténue. O leitor é transportado para um mundo novo com ligações a algo concreto e conhecido. A história de Pat Martino é reinventada em território português e transformada na história de um homem, amante de música, que perde a sua memória afectiva. O senhor Ulme lembra-se do número de código de multibanco, mas não consegue recordar o seu primeiro beijo. Ao tentar resgatar essas memórias, confronta-se com a impossibilidade de tal tarefa. A perspectiva sobre o que aconteceu diverge conforme a pessoa interrogada. O que ele perdeu não pode ser recuperado; pode ser reinventado. A autognose revela-se difícil devido à pluralidade e incongruência das perspectivas de quem observa. “Eu conheço pior a minha nuca do que os outros a conhecem”, afirmou Afonso Cruz. A autognose não se efectua sem as interpretações dos outros.
Será o narrador deste romance que o irá ajudar. Como contraponto ao senhor Ulme, que sofre com as tragédias a que assiste na comunicação social, o narrador mantém uma fria distância sobre o que se passa longe dele.
Através da sua narração percebe-se que tudo para ele se tornou numa rotina:
“Nos últimos tempos, quando sinto os lábios de Clarisse a tocarem os meus, comprovo que não têm história (…) Toco levemente os lábios dela e sabe-me a rotina, às finanças, ao barulho da máquina de lavar roupa. Beijamo-nos como quem faz a cama.”
Em contraste, o senhor Ulme não se lembra do primeiro beijo, dos jogos de futebol da infância ou de ver uma mulher nua.
Ao ajudar, o narrador estará, também, a redescobrir-se. É nesta dialéctica que ambos vão rever/reaver a memória e descobrir as respectivas identidades.
"Flores" estará disponível a partir de 23 de Setembro.
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