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"A Erva das Noites" (Porto Editora), do Nobel Patrick Modiano






Após “Para que não te percas no bairro”, “Dora Bruder”, “As avenidas periféricas” e “O horizonte” surge “A erva das noites”, livro coerente com a imagética e temática da produção romanesca de Modiano.
“A Erva das Noites” reforça a vontade do Nobel francês em criar tensão entre a realidade e o mundo onírico. Os narradores de Modiano, muitas vezes confundíveis com o autor, são falíveis. Esta característica é essencial no “jogo” literário entre o Mundo Actual (factual) e o Mundo Possível, numa lógica modal. A memória é sempre incerta e, como tal, falha na recuperação dos acontecimentos. E falha por menor que seja a disparidade entre a recriação e o facto.
Jean, o narrador de “A Erva das Noites” tem essa noção.

Ele é um escritor de 60 anos motivado a investigar um período da sua vida em que se fazia acompanhar por uma misteriosa mulher, chamada Dannie, e em que convivia com um grupo de personagens estranhas no Hotel Unic, em Montparnasse. Com recurso às suas esparsas recordações, o dossiê da Brigada de Costumes e um bloco de notas com apontamentos dessa época, o narrador, que em muito se assemelha (idade, profissão) ao autor, tenta reconstruir esse período. As antigas anotações no bloco são as suas coordenadas, agora recebidas como “sinais de morse que um interlocutor desconhecido envia de muito longe.”
A distância temporal influencia a interpretação. E é nas “brechas da memória” que o narrador constrói a (nova?) realidade, dotada de propriedades literárias.
A memória atraiçoa cada vez que é activada para unir os apontamentos. A nebulosidade do que é recordado dota a narrativa de mistério e da inevitável falibilidade.
A personalidade está dependente do tempo vivido e da forma como este é recordado. Se bem que, com Modiano, a recordação é parte essencial da vida e da construção da personalidade. Não há uma divisão vincada. Pelo menos, na sua obra literária. A pessoa é formada pelas suas experiências. Quando as recorda e as reinventa, a sua personalidade está sob uma pressão transformadora. Ao longo do romance, Jean vai recordando a misteriosa Dannie que, afinal, já havia tido vários nomes falsos e diversas profissões nunca exercidas para esconder os seus actos do passado. A pressão sobre a identidade existe também na dissociação entre nome e pessoa. E só quando Jean descobre os actos passados de Dannie e o verdadeiro nome dela é que sente estar mais perto dessa mulher.
Patrick Modiano continua a recolher dados, a formular especulações, suposições e interrogações na procura (e construção) da identidade das suas personagens. A sua luta contra o esquecimento e a forma como tece o enredo remetem para um dos maiores escritores franceses: Marcel Proust.
Tudo é falível em “A Erva das Noites”. Excepto a qualidade literária de Patrick Modiano. Essa é garantida.
A vontade da Porto Editora em divulgar o Prémio Nobel de 2014 tem um grande beneficiado: o leitor.

Mário Rufino
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=784023

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