“Submissão” (Alfaguara), o novo romance de Michel
Houellebecq (n. 1958; Ilha da Reunião), foi apresentado ontem [01/01/2015] na sala 4 do
Cinema Medeia Monumental, em Lisboa.
Pedro Mexia (crítico literário), Clara Ferreira
Alves (jornalista), José Manuel Fernandes (publisher/fundador do “Observador”),
Clara Capitão (editora da Alfaguara) e António Costa (Leopardo/Medeia Filmes),
a quem foi entregue a mediação da conversa, apresentaram a obra de um dos mais
polémicos autores franceses da actualidade.
O lançamento de “Submissão” surgiu como
possibilidade de conjugação interdisciplinar entre cinema e literatura. Após a
apresentação do livro, o público presente pôde visionar as estreias dos filmes
“O rapto de Michel Houellebecq”, de Guillaume Nicloux, e “Experiência de quase-morte”,
de Benoit Delépine e Gustave Kervern.
O atentado aos jornalistas do “Charlie Hebdo”, no
dia de apresentação de “Submissão” em França, dramatizou a postura polemista de
um autor que procura pensar as mais proeminentes questões contemporâneas. Esse
vínculo à realidade faz com que os seus livros consigam conquistar o público
com menos apego à ficção.
“O livro [“Submissão”] foi mal lido em França”,
afirmou Clara Ferreira Alves. Esta obra, segundo a jornalista, não tem nada a
ver com a islamofobia.
O autor socorreu-se de dados “canónicos” do
islamismo. No entanto, “é evidente que Michel Houellebecq não tem simpatia pelo
Islão”.
Essa leitura desviante, se é que chegou a acontecer
qualquer leitura, levou o primeiro-ministro francês, ainda sob o horror
provocado pelo atentado, a afirmar que “A França não é Michel Houellebecq, não
é intolerância, ódio e medo.”
A situação tornou-se insuportável para o autor, que
teve de se refugiar em parte incerta.
Segundo Pedro Mexia, Houellebecq rejeita, tanto na
literatura como pessoalmente, valores dados como adquiridos. Ele interroga tudo
e escreve contra o “Império do Bem” (iluminismo, Maio 68, etc.)
É o tipo de escritor que as pessoas lêem para se
indignar, afirmou.
Para José Manuel Fernandes, em “Submissão” o conforto
motiva a aceitação; não se trata de uma conversão (ou submissão) espiritual.
A hipotética vertente visionária de “Submissão” é a
menos importante para o fundador do “Observador”; essencial é entender como
credível o que é escrito por Michel Houellebecq.
O autor retracta a decadência do ocidente, composto
por sociedades amorfas, desinteressadas, desinteressantes e somente preocupadas
com a aquisição e manutenção do conforto.
O Islão é uma solução para o tédio, completou Pedro
Mexia. As questões que angustiam os ocidentais (o desemprego, o sexo, a
escolaridade) são resolvidas com as soluções religiosas apresentadas pelo
Islão.
Clara Ferreira Alves vê Michel Houellebecq e Martin
Amis como os grandes escritores europeus contemporâneos.
Houellebecq é um romancista de ideias. Ele usa a
ficção para sujeitar à análise um conjunto de teorias. O romance de ideias
havia desaparecido. O autor de “O Mapa e o Território” (Prémio Goncourt 2010)
revitalizou o romance em que a ideia é o centro do debate. No caso de “Submissão”,
a ideia de religião como mobilização e “cimento social”.
A relação do personagem com o Islão é de conforto e
não de fé. O comodismo é o pilar da sua ligação à religião. Ele é a imagem de
um ocidente melancólico, sem valores, entediado e entregue à manutenção de
conforto.
“Há sinais deprimentes de que estamos vagamente
adormecidos”
Michel Houellebecq obriga a rever o que sustenta a
sociedade europeia. Através da ficção, o autor francês estabelece interrogações
e convoca a inteligência do leitor.
Clara Capitão, no fim da apresentação, sublinhou a
luta pela liberdade de expressão, valor inalienável da civilização tal como a
conhecemos.
“Submissão” chegou para desassossegar e promover a
discussão.
O Diário Digital publicará, em breve, a recensão
crítica ao mais recente romance de Michel Houellebecq.
Mário Rufino
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