As Correntes d`Escritas são um
fenómeno de popularidade. No Cine-teatro Garrett, sem um lugar por ocupar,
Guilherme d`Oliveira Martins, actual presidente do Tribunal de Contas, do Conselho de Prevenção da Corrupção e do Centro
Nacional de Cultura, semeou perguntas, apontou caminhos, combateu a
apatia. O título da sua comunicação - “Quem tem medo da Cultura?- foi
provocatória. Após o seu discurso, tornou-se inevitável pensar e escrever sobre
este tema.
Imaginem um senhor Coelho ou um senhor
Silva perante uma pintura de Jackson Pollock. Ombro com ombro gastam o seu
tempo a observar as grandes telas pintadas com a energia visceral do pintor
norte-americano. Até que um mata o silêncio:
“Já viu a quantidade de tinta que foi
preciso? O quadro deve valer muito por isso.”
Perante a Arte, valoriza-se o mercado,
esse novo “Bezerro de Ouro”.
Se ao ser humano lhe é retirada a
capacidade de (se) interrogar, então ele resume-se a um utensílio nas mãos das
forças políticas, económicas ou sociais. E fica refém da univocidade económica.
Seja numa perspectiva marxista, em que
as forças económicas são a base de qualquer cultura, ou numa visão mais
humanista, em que o pensamento e a organização social e económica estão
dependentes da instrução, é certo que a cultura pertence ao domínio da
libertação através do pensamento.
“Nem tudo tem preço, mas tudo tem
valor”, afirmou Guilherme d`Oliveira Martins
A cultura é a raiz da liberdade. A diferença
na unidade tornará a liberdade mais robusta, mais forte, mais agarrada à
memória que a sustenta. O húmus é a história e a palavra dos antigos. As ideias
humanistas colocam o homem como um fim/objectivo e não um instrumento. Mas
liberdade é familiar da imprevisibilidade. Ora, essa estrutura abstracta a que
chamamos mercado perspectiva o imprevisível como um vírus mortal. Não é por
acaso que contemplação está cada vez mais afastada dos hábitos; a acção cerca o
pensamento; o homem contemporâneo tem cada vez menos capacidade de estar
sozinho, de se confrontar, de pensar. Está de joelhos em adoração ao “Bezerro
de Ouro, S.A.”.
A diferença na unidade é o oposto do
pensamento único, cujas raízes são o medo e a ignorância. O medo é antitético
na sua relação com a cultura, pois implicaria ceder o seu território à
transformação, abdicar da simplificação e indiferença.
A cultura almeja a proliferação de
perguntas, em quantidade e qualidade. E para isso a memória dos outros dá
fulgor e significado à memória de quem se interroga.
“Medo da cultura é afinal ter medo da
liberdade e da democracia”, finalizou Guilherme d`Oliveira Martins.
O ser humano quer ser livre; esta
vontade é intrínseca à sua natureza. Quando está preso, ele reage. No entanto,
a mais competente e pérfida forma de escravização é aquela que dá a ilusão de
liberdade. Homem preso pensando que é livre no império do medo e da auto-censura
Talvez seja melhor deixar a cultura de
lado, pois é um luxo inacessível. Ou talvez não…
Correntes d`Escritas, Póvoa de Varzim,
2015
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