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"Ana de Amsterdam", de Ana Cássia Rebelo, nas Correntes d`Escritas 2015


Correntes d`Escritas: os dias que rasgam pulsos


“Ana de Amsterdam”, blogue de Ana Cássia Rebelo, foi editado em livro pela Quetzal. Com textos escolhidos pela autora e por João Pedro George, que escreveu o prefácio, “Ana de Amsterdam” é visceral, composto por frases e palavras que ferem, numa demografia descritiva da realidade. Da banalidade à ruptura, a autora tanto fala sobre as mamas de uma rapariga “com o cheiro de bairro social entranhado na pele” como do seu sonho em cortar os pulsos.

Cercada pela depressão, Ana Cássia Rebelo publica uma selecção de textos escritos no seu blogue, compreendendo o período entre o último semestre de 2006 até ao último trimestre de 2014. De Lisboa a Goa, de Goa a Lisboa, a descendente de indianos transporta a sua depressão crónica (ou reactiva?). É a sua amiga íntima, fiel, que a acompanha desde muito cedo.

“Como se mata uma amiga, a melhor, que vive dentro de nós?”
As rotinas incipientes, a estranheza e os ódios alimentam os seus solilóquios. A sua vagina, “feia, primitiva, um resquício de antiguidade, de rudeza”, é observada com a mesma atenção. A banalidade dos gestos, pessoas e locais de sentido subtraído, o seu corpo, os seus filhos, a frigidez sexual, a tentativa de suicídio e os fracassos são expostos com impressionante crueza .
“É triste uma pessoa falhar até na morte, não acha?”
O seu desprezo pelos homens, a quem deseja uma castração o mais dolorosa possível, é justificada com primitivos piropos de machões que vociferam “Com esse cabelo preto deves ter um bom grelo. Lambia-to todo”.
Ana Cássio Rebelo expõe-se e, em consequência, constrange o leitor, que está consciente do seu voyeurismo. Dia após dia, o leitor entra na vida alheia, na intimidade, nos segredos que, muitas vezes, nem a ele próprio assume. E é neste jogo de sedução, de observação, sem internet nem vídeo-câmara, que a autora se dá a observar, crua, nua, sem filtros.
Nas Correntes d`Escritas (Póvoa de Varzim) Ana Cássia Rebelo deu a cara depois de mostrar as entranhas. Os leitores conheceram primeiro o interior, os medos, anseios, a depressão. Tanto a principal sala do teatro, onde a escritora participou na Mesa 5 (“Da Escrita em ruínas transpiram as intermitências da vida”), como a Sala de Actos, onde foi apresentado o seu livro, estava cheia desses voyeurs, que acompanharam os dias ora negros ora cinzentos da autora.
Ana Cássia Rebelo não titubeou e apresentou-se com um discurso destemido (Mesa 5), onde se afirmou com uma leitora avisada e capaz de formar a sua opinião, mesmo que em confronto com juízos canónicos. Sobre o palco e sem o filtro do isolamento, a autora encarou o público e, sem hesitações, confirmou a vontade em rasgar tabus, tão presente em “Ana de Amsterdam”.
Na apresentação do seu livro, ainda antes da participação na Mesa, Ana Cássia Rebelo confirmou a sua intenção em escrever sobre a sua vida, as suas alegrias, filhos e trabalho. Sobre a actualidade, afirmou, já havia quem escrevesse melhor do que ela.
Segundo a autora, “Ana interpreta a condição de muitas mulheres que coabitam com a frustração”. Essa frustração, de acordo com a sua interpretação, deve-se ao machismo, que não possibilita o desenvolvimento das múltiplas facetas da personalidade da mulher.
“Ana de Amsterdam”, título com origem numa música de Chico Buarque, é o diário de bordo dessas múltiplas e por vezes violentas frustrações.

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