Almeida Faria: «Tenho uma paixão quase perversa e inexplicável pelas minhas personagens»
As Correntes d`Escritas homenageiam, em 2015, o escritor português Almeida Faria. O autor de «Paixão» esteve em “30` de conversa”, com Vasco David, editor da Assírio e Alvim, a propósito da reedição de «Cavaleiro Andante» (Assírio e Alvim).
Autor de culto, louvado pelos seus leitores, Almeida Faria não se afasta de quem o procura. Nos corredores da escrita, ora no Hotel Áxis Vermar ora no Cine-Teatro Garrett, quem o solicita percebe a educação, inteligência e disponibilidade do escritor para conversar.
Numa sala da unidade hoteleira, Almeida Faria continuou o seu discurso iniciado, da parte da manhã, na entrega do Prémio Literário Correntes d`Escritas a Fernando Echevarría.
“Cavaleiro Andante” é mais um exemplo de inteligência, introspecção e capacidade criativa. Os problemas abordados na tetralogia lusitana, composta por “Paixão”, “Cortes”, “Lusitânia” e “Cavaleiro Andante”, não desapareceram; existem, hoje, metamorfoses dos mesmos problemas.
«Às vezes fico um bocado assustado como as coisas não mudaram tanto como nós desejávamos», disse Almeida Faria.
O percurso daquela família alentejana, que se vai desintegrando durante os quatro romances, encontra similitude na realidade imediata de muitas famílias portuguesas. A falta de oportunidades para trabalhar de forma a garantir o sustento leva muita gente e emigrar, tal qual no período onde faltava pão e liberdade em Portugal.
Num espaço temporal de cerca de 20 anos, desde “Paixão” a “Cavaleiro Andante”, o cíclico destino do povo português é decomposto, por um autor exímio, dentro de um registo poético decantado de uma língua complexa e fulgurante.
A realidade da tetralogia é o espelho de várias fases de um país, ou, se quisermos, de vários países chamados Portugal. A criação literária incide sobre o antes, o durante e as consequências da Revolução de Abril.
«Resolvi abordar este livro [“Cavaleiro Andante”] em dois pontos ou duas datas decisivas: uma é o chamado “Verão Quente”, em Julho de 75, e depois em Novembro do mesmo ano, mês em que se deu a independência de Angola.»
Mas esta obra não se limita a esse período. A ligação a tempos remotos, mas tão presentes na psique portuguesa, como o sebastianismo, é muito importante. O carácter epopeico, as profecias de Bandarra, o V Império e as derrotas históricas fazem parte desta abordagem literária sobre a composição psíquica do povo português.
A actualizada edição de “Cavaleiro Andante” é enriquecida com elementos que aprofundam a relação entre a ficção e a realidade na obra do escritor nascido no Alentejo. Além da brilhante descodificação de Eduardo Lourenço, no prefácio, existe uma carta do personagem João Carlos para Marta (escrita em 1985) e um correio electrónico com a resposta de Marta a João Carlos, no primeiro dia de 2015.
«Tenho uma paixão quase perversa e inexplicável pelas minhas personagens. Eu podia continuar a escrever sobre elas o resto da vida», afirmou o escritor.
E percebe-se a razão. Segundo Álvaro Cardoso Gomes, em artigo na revista “Correntes d`Escritas”, as personagens são «emblemas da colectividade».
O diálogo entre criação literária, história e social expande-se, também, à própria dialéctica dentro da literatura.
A escolha da estrutura narrativa de “Cavaleiro Andante” foi, segundo o autor, «para fazer um certo “pandã”. “Paixão” e “Cortes” são, em grande parte, monólogos interiores. Para alargar horizontes através da correspondência, pensei em experimentar coisas diferentes como os “monólogos exteriores”.»
Vasco David aproveitou para interrogar o autor sobre a possibilidade de uma sequela. Não está no horizonte, respondeu Almeida Faria, embora seja possível que as personagens apareçam em peças de teatro, de que o autor gosta muito de escrever.
Vasco David aproveitou para interrogar o autor sobre a possibilidade de uma sequela. Não está no horizonte, respondeu Almeida Faria, embora seja possível que as personagens apareçam em peças de teatro, de que o autor gosta muito de escrever.
30 minutos parece pouco tempo. No entanto, a conversa não termina nos actos oficiais. A disponibilidade de Almeida Faria demonstra que a sua inteligência é proporcional à gentileza.
Nos corredores da escrita, os leitores sentam-se à mesa com os escritores. E a conversa continua.
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