Nome: Dora Bruder.
Da abstracção de milhares e milhares de vítimas
executadas pela ideologia nazi, Patrick Modiano (n.Paris; 1945), o mais recente
Prémio Nobel da Literatura, resgata a humanidade. Consegue-o fazer com as armas
de um grande romancista. Dora Bruder emerge do esquecimento. É um nome de uma
menina resgatada a um número.
“ Se eu não
estivesse aqui para o escrever, já não haveria qualquer vestígio da presença
desta desconhecida e do meu pai num carro celular em fevereiro de 1942, ao
longo dos Campos Elísios. Nada a não ser pessoas - mortas ou vivas - que acabam
arrumadas na categoria dos «indivíduos não identificados»”
Em 1988, o narrador lê um pedido de informações
sobre Dora Bruder no Paris-Soir de 31 de Dezembro de 1941. A partir desse momento,
ele procede à arqueologia por um nome subterrado numa “camada de amnésia”.
Seis anos depois (1994), o narrador escreve sobre
essa procura.
Serão os factos insuficientes para traçar o perfil
de alguém? E para desenhar o trajecto de vida?
“Dora Bruder” baseia-se nestas interrogações, ou
especulações, sobre o que nos forma no passado e como é a memória como registo.
Os factos recolhidos impõem mais perguntas do que respostas. O narrador consegue
somente vislumbrar sombras, enquanto procura caminhos no campo da
possibilidade.
Modiano debate-se com a incapacidade de realmente conhecer
Ernest Bruder (pai), Célile Burdej (mãe) e Dora Bruder. O autor investiga e
tenta conhecer as suas personagens. “Dora Bruder” é também este interessante
exercício literário: um romancista à procura de compor a sua própria criação.
“Deixaram
poucas marcas atrás de si. Quase anónimas. Não se destacam de certas ruas de
Paris, de certas paisagens de arrabalde onde descobri, por acaso, que haviam
morado. O que se sabe deles resume-se amiúde a um simples endereço. E esta
precisão topográfica contrasta com o que ignoraremos da sua vida para todo o
sempre - esse hiato, esse bloco de desconhecido e de silêncio”
A demanda por essa menina judia leva-o a pensar
sobre o tempo de ocupação nazi e do “Processo Judaico”. Ela percorreu os mesmos
lugares onde ele está. Os tempos (da escrita, da recordação, de Dora) interligam-se
nos mesmos locais habitados por Modiano, por Dora, e onde o horror outrora
dominou. Estas características levam Modiano a avaliar a sua própria infância e
adolescência.
A relação simbiótica entre realidade e ficção torna
difícil a demarcação de uma fronteira entre ambas, caso exista algum interesse
literário nessa demarcação. Modiano utiliza, também, o exemplo de “Os
Miseráveis”, de Victor Hugo, para exemplificar a miscigenação entre o real e o
fictício. É curioso perceber que, neste mês de Janeiro de 2015, Anne Hidalgo
(Presidente da Câmara Municipal de Paris) decidiu dar o nome de Dora Bruder a
uma rua do 18º arrondissement, em Paris. Esta é a rua onde a menina, agora
personagem literária, viveu.
O Comité Nobel decidiu resgatar a literatura
francesa do esquecimento pela contemporaneidade. E fê-lo indicando o nome de
Patrick Modiano.
“Dora Bruder” e Patrick Modiano são nomes que
merecem ficar na memória dos leitores.
Mário Rufino
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=757865
0 Comentários