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"Terra Amarga", de Joyce Carol Oates

«Terra Amarga»: do melhor que foi publicado em 2014


“Terra Amarga” (Sextante), de Joyce Carol Oates (n. 1938; Nova Iorque ), é um inóspito território literário, ocupado por amargura, violência e (des)ilusão, e delineado com a hábil precisão de uma grande escritora.
O conjunto de textos presente nesta obra é composto por narrativas breves publicadas em várias revistas e jornais. A homogeneidade temática é, por isso, surpreendente.
Desde a primeira à última ficção, Joyce Carol Oates não dá tréguas ao leitor. Os laços familiares, sob perspectivas plurais, são rasgados e cauterizados sem piedade. A esperança quase não existe, a dor é permanente e a personalidade, tão dependente de uma rede afectiva, é posta em causa quando uma ligação se quebra, seja por morte ou desilusão.
A escritora norte-americana exorciza a sua dor e as suas dúvidas através da literatura. A perda do marido, com quem foi casada 47 anos, está na génese dos mais intensos contos desta obra.

“Sourland”, último conto e aquele que dá nome ao livro, é demonstrativo dessa agonia. Uma mulher vê a sua realidade profundamente alterada e a sua personalidade abalada quando o seu marido morre. O sentimento de culpa por continuar a viver, a raiva por o marido não a continuar a proteger como sempre prometeu e a completa ausência de perspectivas fazem-na viver dominada pela ansiedade e pelo medo.
“Agora não há uma só pessoa para quem tu tenhas importância. É o fim da linha”
As decisões, nestas circunstâncias, têm consequências impiedosas. Sem competências sociais nem condições anímicas, a mulher torna-se presa fácil. É o que acontece, principalmente, em “Cabeça de abóbora” e “Sourland”.
“ (...) ela estava a ser triturada - martelada- espancada até à submissão- espancada até à inconsciência- agarrava-se aos pesados ombros suados e escorregadios do homem, as suas unhas rasgavam e partiam-se nas costas do homem, sentia tecido cicatrizado como braile sob a ponta dos dedos enquanto era aberta violentamente entre as pernas, eviscerada à medida que a escuridão abria caminho sobre ela, dentro dela, na beatitude da absoluta extinção”
A desagregação da família, da personalidade e a destruição do corpo são ora definitivas ora metamórficas. As ruínas são, por vezes, matéria-prima para a construção, como o leitor pode perceber em “Sucessões”.
Desde a ”profunda descrença em estar viva, em lhe ser permitido existir”, a personagem evolui para um estado esperançoso. No entanto, a ansiedade e o domínio exercido pelo medo levam-na a escolher caminhos pouco recomendáveis.
A resistência é mínima e, perante dor tão intensa, as personagens reagem e tentam manter-se à superfície de uma realidade tempestuosa.
A família e a mulher, reduzida a objecto sexual, são alvos da análise de Joyce Carol Oates. A autora observa as fissuras na hipotética solidez das relações familiares e nas vertentes mais frágeis do carácter das personagens, sem contemplação, hipocrisia ou piedade.
“Babysitter”, “Amputada” e “Código de honra” acrescentam novas perspectivas sobre as relações no interior destas famílias.
A inquietude é permanente; algo está sempre prestes a acontecer. A escritora gere muito bem esta tensão, alimentando-a até ao epílogo. Essa tensão desencadeia, muitas vezes, manifestação de força, posse e poder em actos ora sedutores ora violentos e grotescos. A vertente sexual é omnipresente.
Além da eficiente gestão dos momentos mais tensos, optimizando o impacto emocional, Joyce Carol Oates demonstra em contos como “Dador de órgãos” e “A história da facada” capacidade para usar diferentes recursos estilísticos. Em “A história da facada”, a fronteira entre ficção e realidade é diluída conforme a história de uma facada vai sendo narrada. O ouvinte apropria-se das informações e reconta-as de forma ligeiramente diferente. E assim sucessivamente. A verdade é aquela que se ouve mais vezes, distanciando-se do que aconteceu. Já em “Dador de órgãos”, a autora modifica a sintaxe com o objectivo de imprimir velocidade ao texto. O leitor não tem descanso.
Joyce Carol Oates, apontada como possível Nobel da Literatura, tem uma obra vasta. Escreveu cerca de 30 romances e ainda contos, novelas, ensaios e teatro. “Terra Amarga” demonstra que o leitor está perante uma escritora que sabe muito bem o que pretende contar e como o deve fazer.
“Terra Amarga” é do melhor que foi publicado em 2014.


Mário Rufino 




Terra AmargaTerra Amarga by Joyce Carol Oates
My rating: 5 of 5 stars
O meu texto sobre o livro para o Diário Digital:
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2015...


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