“Sexo, amor e filosofia” (Nova Delphi) é
um exercício teórico da desconstrução do dualismo, tão platónico, entre corpo e
alma, entre homem e mulher. O desmantelamento do logos visa a emancipação da
mulher, historicamente sob o poder do homem. Adília Maia Gaspar, licenciada em
filosofia pela Universidade do Porto, percorre a história da filosofia na
exposição do assunto da sua obra, através de um texto vinculado à causa
feminista. Para o fazer, a autora procurou filtrar os academismos. O
ensaio apresenta-se como acessível ao leitor comum, fora dos circuitos
académicos.
Os capítulos de “Sexo, amor e filosofia”
constituem-se por análises sobre vários filósofos (1 por capítulo), sempre com
uma estrutura comum: cada capítulo é composto por análise biográfica, enquadramento
filosófico e, finalmente, exposição de perspectiva.
Dentro da exegese sobre as ligações entre
sexo, amor e a filosofia, a autora optou por perspectivas expostas “em
diferentes textos filosóficos de diferentes épocas; os autores seleccionados
foram, na Antiguidade Clássica, Platão, na Idade Média, Agostinho e Tomás de
Aquino, na Época Moderna Kant e na Época Contemporânea Schopenhauer, Jean-Paul
Sartre, Simone de Beauvoir, Shulamith Firestone e Robert Solomon”
De forma mais ou menos declarada, a intenção da autora
portuguesa é pensar, essencialmente, o papel da mulher desde Platão até à
contemporaneidade.
O logocentrismo de Platão duraria até à desconstrução
derridiana, acontecida no século XX.
Platão defendia o dualismo entre o mundo
das coisas sensíveis (experiência concreta e quotidiana) e o mundo das ideias,
eternas e imutáveis, consideradas como verdadeira realidade.
O discípulo de Sócrates “expurgava” o amor
sexual, considerado por Kant como “contradição nos termos”, para alcançar o
amor espiritual.
Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino
viriam a marcar alguma diferença em relação a Platão, apesar de muito
influenciados pelo Mestre.
Agostinho renegaria, também, o amor
sexual, mas viria a condenar a poligamia, praticada pelo homem, muito por causa
da influência do Apóstolo Paulo, que havia defendido o celibato e condenado a
luxúria.
Por sua vez, Tomás de Aquino seria menos
radical do que Agostinho, no que diz respeito ao prazer; Tomás de Aquino perspectivava
o acto sexual como normal, mas somente entre homens e mulheres. Ele rejeitava a
homossexualidade, a masturbação, ou seja, condenava o prazer como objectivo, sem
fins reprodutivos.
A submissão de um elemento (subentende-se,
segundo Adília Maia Gaspar, da mulher perante o homem), defendida por Kant, viria
a ser rejeitada por Sartre e, posteriormente, por Simone de Beauvoir.
A questão de posse continuaria (e
continua) presente e muito ligada ao acto de penetração, mas Sartre vai mais
longe na questão do domínio e submissão ao abordar o sadismo.
De acordo com a autora de “Sexo, amor e
filosofia”, na teoria de Sartre “temos
então que o sádico não quer apenas apropriar-se do corpo, quer também dominar a
consciência que habita esse corpo; mas a consciência só poderá ser dominada se
ela própria for reduzida ao corpo – o que acontece quando o corpo experimenta
dor e sofrimento intenso”.
Sartre,
autor de “O ser e o nada”, reconhece que o sentimento de posse e de domínio
existe em ambos os sexos, rompendo com a anterior relação de domínio do homem
sobre a mulher.
A
evolução da perspectiva masculina sobre o papel do sexo e do amor viria a ser
posta em causa com um livro angular para o feminismo: “O segundo sexo”.
Simone
de Beauvoir, autora desse livro que marcou a história das ideias no Ocidente,
identificava-se com o existencialismo de Sartre, com quem teve uma longa
relação amorosa. “O segundo sexo” e “A ética da ambiguidade” aplicam a
filosofia de Sartre à condição feminina.
As
contribuições de Beauvoir viriam a ser importantes em áreas como a ambiguidade,
a liberdade e o “Outro”.
Os
estudos feministas, corrente na linha pós-estruturalista, viriam a ser
aproveitados pela abrangente escola do Novo Historicismo. Segundo esta nova
abordagem filosófica iniciada por Greenblatter, o pensamento e criação
artística não são independentes da época em que surgem. Assim como a
interpretação desse pensamento ou criação.
Adília Maia Gaspar recupera estas
características do Novo Historicismo na construção de um ensaio dotado de
dimensão ética, em contraste com a da defesa de neutralidade pelo New
Criticism.
Esta
obra tenta, em 204 páginas, dar a conhecer a evolução filosófica e social do
papel da mulher. Não sendo uma obra exaustiva, consegue com muito mérito
apresentar-se como uma sólida introdução aos estudos feministas.
Mário
Rufino
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=750328
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