O mundo das notícias, por Alain Botton
Alain Botton (Zurique; n. 1969) descodifica, em “As Notícias - um
manual de utilização” (D. Quixote), os hábitos de produção e consumo de
informação.
A ausência de academismos, a filosofia aplicada ao quotidiano e a prosa
acessível têm caracterizado os livros do autor como fenómenos de venda.
A realidade é formada por notícias.
O tempo passado a consumir notícias ultrapassa qualquer outra actividade
exercida fora do local de trabalho.
Longe vão os tempos em que a difusão se limitava ao rádio, ao jornal ou à
televisão. Hoje, o telemóvel, o computador e o “Tablet” rivalizam com os meios tradicionais
e ampliam o consumo de informação. Mas não só. A interacção entre jornalista,
facto e consumidor nunca foi tão grande e imediata como agora. A interacção é
tão elevada que o leitor chega a assumir um papel importante na formação e
divulgação da notícia. A fragmentação do poder de publicar a opinião
possibilita a pluralidade de perspectivas e o aumento de ruído. O consumidor
começou a substituir o jornalista. As redes sociais são o meio mais utilizado
na divulgação de informação de consumidor para consumidor.
Em todos os casos, o mesmo acontece: quem reporta a notícia observou um
facto exterior. Mas e quando a notícia é notícia?
Essa interrogação motivou Alain de Botton a escrever “As Notícias - um manual
de utilização”.
“As Notícias - um manual de
utilização” -composto por 10 capítulos onde são abordados assuntos como a
Política, Notícias do mundo, Economia, Celebridade, Catástrofe e Consumo- é uma
reflexão sobre a importância das notícias na construção da opinião, na educação
contemporânea e na formação de hábitos quotidianos.
“Nas economias desenvolvidas, as notícias ocupam agora uma posição de poder
igual pelo menos àquela de que antes gozavam as crenças religiosas. Os
noticiários replicam as horas canónicas com uma precisão arrepiante: as matinas
transubstanciaram-se no boletim do pequeno-almoço, as vésperas no noticiário da
tarde”
Após a educação académica do indivíduo, as notícias transformam-se na
principal fonte de informação. O controlo (ou formação) da opinião pública não
passa tanto pela interpretação na filosofia ou literatura como pela informação
chegada pelos canais informativos. A escola passou a ser outra. A matéria
resume-se a pouco mais do que “soundbytes”.
Se continuarmos a traçar o paralelismo entre arte e notícias, na formação
de um indivíduo, podemos interrogar-nos se não estaremos a formar opinião
baseando-nos numa parcela de um acontecimento maior do que nos é dado. Na Arte,
não formamos uma opinião analisando uma frase de um livro, ou de um traço num
quadro.
“As organizações noticiosas são reticentes em admitir que tudo aquilo com
que nos presenteiam todos os dias são minúsculos extratos de narrativas cujas
verdadeira forma e verdadeira lógica geralmente só podem emergir com uma
perspectiva de meses ou mesmo anos”
Essa parcialidade alimenta os preconceitos, que vão subsistindo na psique
individual e colectiva. Mas Alain Botton diagnostica, também, a capacidade da
investigação jornalística em denunciar crimes perpetrados por figuras
poderosas, causando o encarcerando dessas individualidades.
Em todos os casos existe um factor em comum: o poder de acção sobre a
realidade.
Alain de Botton consegue, com sucesso, aproximar o tema ao leitor médio,
através de um discurso acessível e parco em vocabulário académico. Essa
facilitação na transmissão da mensagem aliada a algum populismo leva, por
vezes, à aproximação a sua escrita à tipologia da auto-ajuda.
“As Notícias - um manual de utilização” é um livro útil quando
perspectivado como introdução a um tema complexo e merecedor de ser analisado
com maior profundidade.
Mário Rufino
Diário Digital: http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=745129
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