Afonso Cruz, o criador de mundos
“Mar” (Alfaguara), 4º volume da “Enciclopédia
da Estória Universal”, foi ontem apresentado por Anabela Mota Ribeiro
(jornalista) e por Clara Capitão (editora da Alfaguara), no bar “O Bom, o
Mau e o Vilão, na presença do escritor nascido na Figueira da Foz.
O 4º volume da Enciclopédia sucede a “Para Onde Vão os Guarda-Chuvas”
(Alfaguara), considerado um dos livros de 2013 pelo Diário Digital, e confirma
a capacidade do autor em se situar além-géneros literários.
Mar é uma pequena e fluida palavra. São três letras que se
multiplicam em diversos universos. Desafia a compreensão. É indispensável,
visível, mas tem quase tudo para ser descoberto; a aparência simples vai
revelando forças, vidas e formas deslumbrantes. Como a literatura de Afonso
Cruz.
Afonso Cruz não deixa a sua criatividade e universalidade serem
aprisionadas em formatos preestabelecidos. Cada texto seu é um desafio ao
cânone e uma reflexão sobre a subjectividade das fronteiras nos géneros
literários.
A miscigenação entre realidade e ficção sublinha a impossibilidade de
fixação do próprio conhecimento. Tudo é mutável excepto a morte. E mesmo assim,
a morte, como fim de tudo, não é unânime.
“Mar”, tema tão português, apresenta-se como metáfora (ou metáforas) e
símbolo de universalidade e diversidade.
Anabela Mota Ribeiro mencionou essa diversidade criativa de Afonso
Cruz e afirmou que “ainda é mais espantoso que isso tenha uma coerência
interna, como se fosse um sistema, uma casa com diferentes pisos, com diferentes
compartimentos. Aparentemente a identidade é diversa, mas depois percebemos que
tem uma raiz comum”. O mar é somente uma porta de entrada.
A escrita sobre este tema deve-se a ter sido convidado para o fazer
numa revista. A partir daí, “Mar” apresentou-se como metáfora de vivências (a
infância), acontecimentos (expulsão do paraíso) e geografias (a aldeia
flutuante do povo – cachalote, por exemplo).
O livro mantém a mesma pluralidade dos anteriores volumes: é composto
por parábolas, aforismos, contos e muitas e extraordinárias personagens.
A jornalista optou por conversar com o autor em detrimento de uma
apresentação mais formal e menos dinâmica. Uma das vertentes exploradas foi o
possível biografismo neste volume da “Enciclopédia”.
“Nasci na Figueira da Foz, junto ao mar, apesar de eu não ter
relação nenhuma com o mar”, afirmou Afonso Cruz. “Na verdade,
tenho-me sentido sempre desenraizado. Como viajei muito, fui desconstruindo a
minha geografia”
A riqueza simbólica encontra-se, entre tantos outros momentos, no
capítulo 45, onde se pode ler:
“1. Por vezes, passeio pelas recordações que tenho da mãe, sento-me
junto ao mar da minha infância”. O mar como metáfora do tempo vivido,
mas cujas profundezas são só vislumbradas.
Afonso Cruz revelou uma possível interpretação, ao afirmar que “nós
não temos memórias até aos 3, 4 anos de idade, dependendo das pessoas. E essas
memórias são guardadas pelas pessoas que estiveram connosco nessa altura.
Normalmente, a mãe é a guardadora dessas memórias. Quando perdemos a mãe,
perdemos os nossos primeiros anos de vida”.
O paraíso da infância termina com a expulsão do paraíso, simbolizado
pela adolescência.
Falou-se da da vida e morte, dos locais reais e imaginários como
destino de viagens, da presença de Deus e da sua ausência, de sexo, da infância
e da adolescência.
Afonso Cruz continua a demonstrar a sua capacidade em criar mundos e
em levar o leitor a habitá-los.
“Mar”, 4º volume da já premiada série “Enciclopédia
da Estória Universal (1º volume, com Grande Prémio Conto Camilo
Castelo Branco/APE), é o novo livro de um dos mais importantes escritores
surgidos, em Portugal, no século XXI.
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