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"No Céu Não Há Limões", de Sandro William Junqueira

A estranha cartografia literária de Sandro William Junqueira


Sandro William Junqueira (n. Umtali, Rodésia; 1974) cartografou um território literário, em «No Céu Não Há Limões» (Caminho), estranho, mas simultaneamente próximo da beligerante realidade em que vivemos.

Após o sucesso de «O Caderno do Algoz» (2009) e, principalmente, de «Um Piano para Cavalos Altos» (2012), o autor construiu, neste seu 3.º romance, um mosaico de histórias ligadas entre si pela dicotomia entre os imperativos do corpo e a salvação da alma.
O contraste entre a moral e a ambição, entre o pecado e a salvação, entre a castidade e a luxúria é comum entre as grotescas e caricaturais personagens que compõem esta narrativa.
Em «No Céu Não Há Limões», o Ogre (possível projecção do autor) ensaia «O Desígnio», peça de teatro «sobre as dificuldades da vida de um padre. E sobre as dicotomias: dúvida/fé, livre arbítrio/destino, vazio/Deus».
Durante 29 anos, o seu desígnio envolveu uma rede de influências compostas por personagens, sempre nomeadas pelos seus mais distintivos traços, como a Tia, o Bispo Auxiliar, o Funcionário, a Viúva, o Acólito, os Gémeos ou o Raquítico de Cabelo Ralo. Cada gesto seu, de encenador, é estratégico e pensado como se a vida fosse um jogo de xadrez. Ele é a mão divina que os comanda, ou assim pensa, num cenário apocalíptico, distópico, formado por um território dividido pela guerra em três partes desiguais.
A dicotomia pensada por Sandro William Junqueira continua com o confronto territorial entre o Norte e Sul por causa da escassez de bens de subsistência.
Devido à concentração de catástrofes naturais, o Sul é uma terra que «nem para comer os mortos serve». O Norte, em contraste, exibe riqueza. A Terra do Meio, território fronteiriço, é palco de uma guerra civil, após o Norte ter rejeitado o êxodo vindo do Sul em busca de alimentos.

«Poder-se-ia afirmar sem melindre que a população do Norte descendia da linhagem de Abel; e que aquela gentalha do Sul, à qual ele pertenceria até conseguir o passaporte, da de Caim.»
A igreja, através da figura do Padre, serve de intermediário ao conseguir um acordo comercial: os sulistas trocam o seu sangue por alimentos.
A guerra, tal qual um desporto, faz parte do quotidiano e é relatada na rádio. A vitória ou derrota é resumida na fórmula desportiva de um resultado numérico.
Este território, sem nome nem época, está sob o imperativo da sobrevivência, da inconsistência do absurdo, da incompreensão sobre o divino e sob a superstição. Deus não parece conhecer esta terra.
O combate entre opostos abrange, desta forma, a componente física, o aspecto moral e o ideológico.
Uma das características mais inquietantes de «No Céu Não Há Limões» é a hermenêutica bíblica na respectiva construção ficcional.
A presença da imagética inerente tanto ao Antigo como ao Novo Testamento é constante. A serpente, o limão (Adão dos frutos), a pecaminosa mordedura no tornozelo do padre, o mergulho baptismal (ou renascimento) do padre no mar, os frutos no vestido da adolescente, as referências a Noé numa sociedade perdida, a praga de gafanhotos e o ambiente apocalíptico são vários exemplos da visão do autor sobre a relação do Homem com a fé, a tentação, a culpa, o pecado, a queda.
A fragmentação da estrutura do romance prejudica a legibilidade do argumento, mas intensifica a sensação do vazio que separa as pessoas. O confronto entre a salvação da alma e os imperativos do corpo está presente desde a primeira até à última página.
Sandro William Junqueira utiliza as características híbridas deste género narrativo para dar ao leitor um exercício niilista, composto por muitas peças, agressivo na temática e na frase curta, vertiginoso nos capítulos breves.
Visitamos todos os dias este território (físico/ideológico/moral) dominado pelo absurdo. Afinal, o Homem é um campo de batalha entre ideias contrárias, entre a doença e a cura, e entre o impulso animal e a rédea moral.

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=719575


No Céu Não há LimõesNo Céu Não há Limões by Sandro William Junqueira
My rating: 3 of 5 stars

Texto sobre "No Céu Não Há Limões" em O Planeta Livro:

http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014...




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