Georges
Rodenbach, em “Bruges-a-morta” (Sistema Solar): A dor como religião.
Ver
a vida com olhos de morto. É esta a perspectiva de Georges Rodenbach perante os
infortúnios de Hugues Viane, o personagem principal.
Pouco
tempo após a morte de sua mulher, o inconsolável Hugues Viane decide
instalar-se na cidade de Bruges. Ele precisava de “silêncio infinito e de uma existência tão monótona que deixasse,
quase, de dar-lhe a sensação de viver” Pág. 23
Os
seus passos são guiados pela destruição que existe em si. Durante o dia, Hugues
mantem-se isolado, em casa, sem vontade de procurar qualquer solução para o mal
de que padece. Chegada a noite, ele sai e caminha por canais solitários,
bairros de ruas vazias e gente recolhida em casa. Bruges, a morta, é a cidade
que espelha o interior de Hugues. A caracterização do local e das pessoas sofre
o fenómeno de projecção do estado de espírito do personagem. Ali ele sente que
o lugar está em comunhão consigo, pois para ele “Bruges era a sua morta. E a sua morte era Bruges” pág. 24

A
cidade começou a rejeitá-lo. Hugues, até ali visto como um exemplo de
sobriedade, começa a ser alvo de escárnio. A honesta castidade dera lugar a uma
dor de plástico.
A
aproximação a uma figura feminina implica um afastamento do personagem da
cidade de Bruges, que fora o motivo da sua mudança. Quando ele se afasta de
Jane, volta a projectar as suas condições emocionais na cidade. São variáveis
do mesmo assunto: a obsessiva projecção de uma necessidade.
A
peregrinação de Hugues anuncia um fim trágico. O leitor contempla a
inevitabilidade da desgraça.
O
escritor simbolista faz de Bruges, cidade outrora importante como entreposto
comercial, muito mais do que um contexto para determinado enredo. O minimalismo
da história permite ao autor desenvolver a relação metafórica entre local e
personagens. O ambiente citadino é essencial no jogo de simbolos, na criação de
contraste entre ambientes abertos e fechados, emoções e objectos, real e
irreal, explícito e implícito, silêncio e som.
“Bruges-a-morta”
(tradução e apresentação de Aníbal Fernandes) é um exemplo do que o simbolismo
pode ser, quando entregue a esta qualidade: sugestivo, cativante e sedutor.
Mário
Rufino
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