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Crónica
22 De Fevereiro de 2013
Correntes d´Escritas
Gostava de tratar as palavras e os
silêncios como Carmen Dolores, a actriz portuguesa, o consegue fazer.
Quando a vi, pela primeira vez e ainda no hotel, temi por ela devido à sua aparente fragilidade. Carmen Dolores é actriz de gerações. No meu caso, vem desde a minha avó até mim.
No auditório, apertou-se-me o peito quando ela começou a falar. Percebi, claramente, que as palavras lhe pertenciam assim que ela as assoprou. O melhor que eu podia fazer era manter o silêncio para a ouvir. Compreendi então que o meu silêncio é diferente. O meu silêncio anula o som. Limita ou elimina a comunicação. É uma ausência.
Quando a vi, pela primeira vez e ainda no hotel, temi por ela devido à sua aparente fragilidade. Carmen Dolores é actriz de gerações. No meu caso, vem desde a minha avó até mim.
No auditório, apertou-se-me o peito quando ela começou a falar. Percebi, claramente, que as palavras lhe pertenciam assim que ela as assoprou. O melhor que eu podia fazer era manter o silêncio para a ouvir. Compreendi então que o meu silêncio é diferente. O meu silêncio anula o som. Limita ou elimina a comunicação. É uma ausência.
O silêncio de Carmen Dolores tem com o
som da palavra uma relação íntima de intensificação mútua. Faz parte da
palavra. Não a anula.
Estava simplesmente sentada. Não se levantou para falar. Ligou o microfone. E leu. Só isso. Leu. Aquela senhora frágil e pequena encheu a sala com a sua alma e, apesar da imensa qualidade emprestada por Zimler, Hélder Macedo, Manuel Jorge Marmelo, Manuel Rui e Rubens Figueiredo, os sons seguintes pareciam curvar-se perante a voz da actriz.
“e eu já nada sei soprar sobre as palavras” era o título dessa mesa. O silêncio é indispensável para a fruição desses pequenos universos, cheios de planetas e de vida, que são as palavras. São um sopro que vem do nosso interior.
Estava simplesmente sentada. Não se levantou para falar. Ligou o microfone. E leu. Só isso. Leu. Aquela senhora frágil e pequena encheu a sala com a sua alma e, apesar da imensa qualidade emprestada por Zimler, Hélder Macedo, Manuel Jorge Marmelo, Manuel Rui e Rubens Figueiredo, os sons seguintes pareciam curvar-se perante a voz da actriz.
“e eu já nada sei soprar sobre as palavras” era o título dessa mesa. O silêncio é indispensável para a fruição desses pequenos universos, cheios de planetas e de vida, que são as palavras. São um sopro que vem do nosso interior.
Pensei nisto durante algum tempo. Por
isso, quando entrei para assistir à mesa seguinte (5ª), já depois de jantar e
cerca de 4 horas mais tarde, fi-lo com receio. Estava perante um
mais-que-provável anticlímax. Não por desconfiar da valia dos intervenientes.
Ignacio Martínez de Pisón (escritor espanhol), Luís Carlos Patraquim (escritor
moçambicano), Maria do Rosário Pedreira (escritora portuguesa), Nuno Camarneiro
(escritor português), e Rui Zink (escritor português) são garantia de
qualidade. Mas por pensar que nada poderia igualar a excelência que eu
presenciara na mesa anterior.
Enganei-me.
Carlos Quiroga moderou a discussão entre autores com realidades e formas de comunicação distintas.
A qualidade e o discurso politizado foram património comum entre todos os intervenientes. Luís Carlos Patraquim referiu-se aos tempos em que vivemos como tempos em que existe a “usurpação da dignidade da palavra e da verdade da palavra”
Enganei-me.
Carlos Quiroga moderou a discussão entre autores com realidades e formas de comunicação distintas.
A qualidade e o discurso politizado foram património comum entre todos os intervenientes. Luís Carlos Patraquim referiu-se aos tempos em que vivemos como tempos em que existe a “usurpação da dignidade da palavra e da verdade da palavra”
Tal não aconteceu em “ desse país
arranquei todos os cravos”, tema desta mesa.
Depois…bem…depois Maria do Rosário
Pedreira deu-me um dos momentos mais emocionantes das Correntes. Sem
consciência disso, entrei numa família que não era a minha, mas pela qual me
senti seduzido. O texto de Maria do Rosário Pedreira obriga a releitura. A
simplicidade da prosa é enganadora. Dentro daquelas frases a alegria não
elimina a tristeza, nem a tristeza elimina a alegria. Uma incorpora a outra.
Mais nenhum texto, dos que ouvi e não foram todos, conseguiu tirar-me o chão.
Deixei de estar na Póvoa. Saí dali e receio não conseguir dizer onde estive. Mas
sei com quem estive.
Maria do Rosário Pedreira deu muito de si ao auditório.
Maria do Rosário Pedreira deu muito de si ao auditório.
Rui Zink foi o último a tomar a
palavra. Dentro do estilo que se reconhece, o autor português oficializou um
neologismo que se tem ouvido na voz de Sara Figueiredo Costa e lido nos
respectivos textos da autora: o verbo Grandolar. E foi assim que terminou a
sessão: a grandolar (cantar “Grândola, Vila Morena” de Zeca Afonso).
Rui Zink ameaçou não se calar enquanto
não lhe grandolassem. O povo fez-lhe imediatamente a vontade. Leitores e
escritores partilharam as palavras de Zeca Afonso.
Mário Rufino
Mariorufino.textos@gmail.com
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