“Fun Home - uma tragicomédia
familiar”, de Alison Bechdel, Editora Contraponto, obriga, pela sua qualidade,
a ser lido e relido.
“Fun (eral) home”,
conjugação inesperada entre funeral, diversão (fun) e casa (home), tem sido
reconhecido pela crítica a nível mundial. A obra de Bechdel venceu o “Eisner
Award” e o “Lambda Book Award”. Foi considerado o livro do ano por “New York
Times”, “Los Angeles Times”, “San Francisco Chronicle”, “Publishers Weekly”,
“Salon.com”, “Amazon.com” e “London Times”.
A honestidade emocional com
que Alison Bechdel escreve e desenha o seu passado transtorna-nos. A leitura é
um acto de voyeurismo. Espreitamos pelas janelas desta singular construção para
observar a intimidade das personagens.
A vida da sua família (pai,
mãe e um irmão), que é proprietária de uma agência funerária que funciona na
própria casa, é dominada pela ironia, tensão e por subentendidos.
“ [o pai] Era um alquimista
das aparências, um especialista em imagem, um dédalo da decoração” Pág.12
Depois de ultrapassarmos os
aspectos ilusórios que mascaram a realidade familiar e individual,
confrontamo-nos com a incompatibilidade de perfis e expectativas entre os
elementos da mesma família. Enquanto Alison adopta um perfil essencialmente
masculino, o pai projecta nela o que ele gostaria de vestir, a forma como ele
gostaria de se comportar, etc. As expectativas são constantemente frustradas. E
será por isso que Alison especula que a morte do seu pai, duas semanas depois
de a mãe ter pedido o divórcio, não terá sido acidental (atropelamento).
“A morte do meu pai teve
algo de estranho, de Queer, em todos os sentidos dessa palavra tão polivalente”
Pág. 63
O simbolismo existente é
muito forte e conota, frequentemente, as personagens com elementos de índole
sexual.
“Era a sua paixão, na
verdadeira acepção da palavra. Libidinosa. Obsessiva. Martirizada”, diz autora enquanto o pai
transporta um objecto fálico.
“Fun Home” é uma obra com
várias camadas interpretativas. Somos seduzidos, devido ao jogo entre vários
planos da narrativa, a reiniciar a leitura quando se chega ao fim.
Alison Bechdel arriscou
imenso na forma que escolheu para narrar a sua história. É bem-sucedida. Ela vê
a realidade através da ficção. As obras que, num momento específico, ela lê são
as suas coordenadas cronológicas e psicológicas. Um livro é, directamente e
indirectamente, a ferramenta primordial de análise. A intertextualidade com
outros autores é ostensiva e riquíssima: Proust, Fitzgerald, Henry James,
Joyce, Camus
“Fun Home” é um exercício de
catarse. Bechdel é motivada pela dúvida sobre a morte do seu pai a procurar
respostas que a levem a alguma conclusão. Não consegue. Quando tenta analisar
as suas recordações percebe que sempre esteve num mundo de ilusões. Os pais
tentaram sustentar um mundo que não existia e onde nunca poderiam ser felizes.
São mais reais, como a própria autora afirma, quando vistos através da ficção.
O leitor tem à sua
disposição uma obra sublime que não o deixará indiferente.
Mário Rufino
1 Comentários
Não há ficção, que supere esse sentimento que percorre o livro, entre raiva, admiração, aprendizagem,é percepctivel esse amor. Obrigado pela magnífica sugestão.