O Sino da Islândia
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=600730
Halldór Kiljan Laxness, autor islandês
premiado com o Nobel da Literatura em 1955, relata-nos em “O Sino da Islândia”
(Íslandsklukkan), editado pela Cavalo de Ferro, a odisseia de Jón
Hreggviðsson.
Na Islândia do século XVII, Jón Hreggviðsson
é acusado de assassinar o carrasco, ao serviço do Rei da Dinamarca, que tinha a
missão de levar um sino, devido ao estanho com que fora construído, para
Copenhaga. Esse velho sino é o símbolo da independência da Islândia, país
pobre, oprimido, e sob o jugo da coroa dinamarquesa.
“Embora um islandês possa pensar que
possuir uma quinta reles seja uma façanha, as propriedades pouco valem no
estrangeiro, minha querida filha - disse o juiz. - A pedra preciosa no anel de
um conde rico em Copenhaga vale mais do que condado inteiro na Islândia (...)
Não somos [islandeses] apenas oprimidos, mas também um povo em risco de
extinção” Pág. 76
Os recursos da Islândia são geridos pela
Dinamarca, ficando praticamente nada para os habitantes. Forçados a roubar para
viver, os islandeses são frequentemente enforcados ou flagelados devido a
crime.
Segundo os dinamarqueses, os islandeses
não são pessoas; são seres sub-humanos dentro de um território, não considerado
como um país, chamado Islândia.
O percurso de Jón Hreggviðsson é marcado
pela sua insubmissão às mãos do homem e à austeridade da terra. A sua viagem
decorre ao longo de um período extenso e por entre paisagens e culturas de
diferentes países. É um homem entregue à sua caprichosa sorte.O seu destino
encontra-se subordinado a forças que não domina. Ele sofre, tal como
Ulisses em “Odisseia”, desafiantes aventuras. O seu ânimo é quebrado. O seu
corpo sofre castigos e privações. Mas Jón não desiste. 16 anos depois da sua
fuga, ele encontra-se com a mulher que o salvou da decapitação pelo crime,
pretensamente, por si cometido: Snaefriour Eydalín. E tem um pedido:
“Vim pedir-lhe para lhe dizer [à filha de 15 anos] que Jón Hreggviðsson foi outrora novo e que teve cabelo preto,
e que não sabia o que era o medo; mas que esse tempo passou.” Pág.212
Memória é palavra chave
na literatura islandesa e, em particular, na obra de Laxness. A transmissão da
história pela oralidade antecede o processo de diferimento da mensagem através
da escrita. Além disso, em sociedades - como a islandesa do Século XVII- onde o
analfabetismo é predominante, a transmissão de conhecimento através do relato é
essencial para a transmissão cultural e para a formação de uma identidade
colectiva. É o que acontece com a constante presença de “Canção de Pontus”
cantada por Hreggviðsson e as referências às sagas. No
entanto, a batalha pela preservação da identidade é transversal a vários
estratos sociais e a diferentes níveis de educação. E é neste contexto que
surge Arnas Arnaeus.
Arnas Arnaeus tenta preservar, a custo da
sua fortuna e do seu próprio bem estar, a cultura islandesa registada em
manuscritos que eram utilizados, muitas vezes, para remendar roupas e sapatos.
É uma luta contra o tempo e contra a pobreza, tanto material como espiritual.
“Arnas deu tudo o que tinha para reunir
livros antigos, para que, mesmo que morramos, o nome da Islândia possa ser
salvo” Pág. 76
A sobrevivência física versus a preservação
da memória colectiva. O sino da Islândia simboliza a manutenção da história e
da cultura islandesa perante a imposição de costumes dinamarqueses e a
condenação à pobreza através do esbulho da riqueza da Islândia.
“O Sino da Islândia” está para a literatura
islandesa como a “Odisseia” está para a Literatura Mundial.
Jón Hreggviðsson, tal como Ulisses, sofre
nas mãos do homem, sofre os caprichos da natureza e das divindades, e demonstra
o que é intrínseco a cada ser humano: incoerência.
A hipotética incompatibilidade de sentimentos é acentuada, principalmente, através das atitudes da personagem principal. Jón é infantil, mas também demonstra maturidade para ultrapassar as adversidades; é cruel, mas também cede perante necessidades de outrem; é arrogante ao desafiar forças superiores a ele, mas frequentemente chora e humilha-se para obter o perdão.
É óbvio que há diferenças essenciais no texto de Laxness em relação ao de Homero. No entanto, o relato é, igualmente, a técnica escolhida por Laxness para narrar esta história. O autor optou por uma estrutura clássica de narração, onde o narrador mantém uma distância propícia à análise. Essa distância é contrariada, somente, por pontuais adjectivações que procuram demonstrar a sua incredulidade com a má sorte do personagem principal.
A hipotética incompatibilidade de sentimentos é acentuada, principalmente, através das atitudes da personagem principal. Jón é infantil, mas também demonstra maturidade para ultrapassar as adversidades; é cruel, mas também cede perante necessidades de outrem; é arrogante ao desafiar forças superiores a ele, mas frequentemente chora e humilha-se para obter o perdão.
É óbvio que há diferenças essenciais no texto de Laxness em relação ao de Homero. No entanto, o relato é, igualmente, a técnica escolhida por Laxness para narrar esta história. O autor optou por uma estrutura clássica de narração, onde o narrador mantém uma distância propícia à análise. Essa distância é contrariada, somente, por pontuais adjectivações que procuram demonstrar a sua incredulidade com a má sorte do personagem principal.
Dividido em 3 fases distintas, é nos
últimos capítulos de cada fase que o romance se consolida. Estes capítulos são
fulcrais para a compreensão da história, pois iluminam o ciclo composto por
todos os capítulos anteriores. O autor demonstra a sua mestria na construção
deste texto literário quando dá condições a que determinada personagem resuma,
de forma clara, o que se passou com ela até àquele momento.
A partir do fim da 1ª e 2ª etapas, Laxness
tem condições para desenvolver o romance noutras direcções.
A irascibilidade de Jón é a irascibilidade
de Ulisses e há diversos episódios que são ecos da obra de Homero. Um episódio
sobejamente conhecido é o de Ulisses, vestido como um mendigo, de roupas
rasgadas, ser somente reconhecido pelo seu velho cão. Esta acção, com algumas
alterações, também se encontra em “O Sino da Islândia”:
“Quando a mulher se aproximou, o cão parou de uivar e abriu várias vezes a boca com um olhar de desespero que só um cão consegue fazer, e depois levantou-se e foi até junto dela. Tinha a barriga colada aos ossos com a fome. Ao aproximar-se, reconheceu-a, apesar das suas roupas, e tentou mostrar-lhe afecto: ela viu que era o cão de Braeoratunga.” Pág. 319
“Quando a mulher se aproximou, o cão parou de uivar e abriu várias vezes a boca com um olhar de desespero que só um cão consegue fazer, e depois levantou-se e foi até junto dela. Tinha a barriga colada aos ossos com a fome. Ao aproximar-se, reconheceu-a, apesar das suas roupas, e tentou mostrar-lhe afecto: ela viu que era o cão de Braeoratunga.” Pág. 319
“O Sino da Islândia” é, desta forma, um
diálogo com obras canónicas.
Laxness conjuga personagens que poderiam ter sido pintadas por Pieter Bruegel com a atmosfera criada pelas pinturas de William Turner.
A Editora Cavalo de Ferro edita, após “Gente Independente” e “Os Peixes Também Sabem Cantar”, o livro que pode ser considerado a obra-prima de Halldór Laxness. A edição de “O Sino da Islândia”, traduzido meticulosamente por João Reis, é um relevante acontecimento editorial pela sua evidente qualidade literária.
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
Halldór Laxness by Halldór Kiljan Laxness
My rating: 5 of 5 stars
Obra-prima
Texto para o Diário Digital:
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2012...
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Laxness conjuga personagens que poderiam ter sido pintadas por Pieter Bruegel com a atmosfera criada pelas pinturas de William Turner.
A Editora Cavalo de Ferro edita, após “Gente Independente” e “Os Peixes Também Sabem Cantar”, o livro que pode ser considerado a obra-prima de Halldór Laxness. A edição de “O Sino da Islândia”, traduzido meticulosamente por João Reis, é um relevante acontecimento editorial pela sua evidente qualidade literária.
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
Halldór Laxness by Halldór Kiljan Laxness
My rating: 5 of 5 stars
Obra-prima
Texto para o Diário Digital:
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