“A Herança Perdida” de James Wood é uma homilia à Literatura.
James Wood é crítico literário em “The New
Yorker” desde 2007. Antes disso, já o tinha sido em “The Guardian” e em “The
New Republic”. É professor de “A prática da crítica literária” em Harvard
University.
“A Herança Perdida” é o segundo livro do autor, após “A Mecânica da Ficção” também editado pela Quetzal, e reúne os ensaios publicados em “The New Yorker”, em “The New Republic”, entre outras prestigiadas publicações.
“A Herança Perdida” é o segundo livro do autor, após “A Mecânica da Ficção” também editado pela Quetzal, e reúne os ensaios publicados em “The New Yorker”, em “The New Republic”, entre outras prestigiadas publicações.
O autor, em “A Herança Perdida”, levanta
dúvidas onde outros ficam presos em certezas absolutas e ideias fossilizadas. E
consegue-o através de diversas perspectivas que, em algumas vezes, implicam
teorias diferentes.
Na essência, James Wood concretiza um
princípio que deve estar presente na crítica literária: Interrogar tudo e
todos. E não o faz de forma gratuita, pois explica e fundamenta os seus
argumentos. Ele demonstra uma flexibilidade analítica extraordinária ao mudar
de prisma teórico quando pensa ser mais apropriado. O leitor tem oportunidade
de constatar diferentes tipos de abordagem tanto no mesmo ensaio como em
diferentes ensaios:
A Dimensão Estética em Flaubert;
Historicismo em “A Herança Perdida: O legado de Ernest Renan e Matthew Arnold”;
o Biografismo em Hamsun, Melville; a Narrativa em Tchékhov, a Recepção em
Bloom, a Crítica de Personagens em Austen…
Dois dos mais importantes ensaios do livro são “O Shakespeare de Bloom” e “A Liberdade do Não Muito”
Dois dos mais importantes ensaios do livro são “O Shakespeare de Bloom” e “A Liberdade do Não Muito”
Em “O Shakespeare de Bloom” pode verificar-se,
pela própria natureza das posições de Harold Bloom (cânone, a angústia da
influência), a capacidade de argumentação que Wood viria a aplicar em todos os
outros ensaios.
Wood desconstrói o pilar sobre o qual assenta toda a teoria de Bloom: Omnipresença e omnipotência de Shakespeare
Wood desconstrói o pilar sobre o qual assenta toda a teoria de Bloom: Omnipresença e omnipotência de Shakespeare
Já em “A Liberdade do Não Muito” podemos
ler sobre a ligação entre a Realidade, a Verdade e a Ficção. A questão da
identificação do leitor com o que está no texto literário tem importância vital
na compreensão desse mesmo texto literário.
“ A nossa linguagem habitual sobre como
nos relacionamos com as personagens de ficção – simpatizamos com elas,
identificamo-nos, sentimos empatia – implica uma grande troca, um impacto
considerável, uma partilha de identidades, (…) ”Pág. 12
Esta partilha de identidades liga vários
momentos essenciais na criação literária: o momento da escrita e o momento da
recepção do texto por parte do leitor.
A problemática adensa-se quando a análise
incide sobre os autores que “compõem” o autor, e os livros que formam a
capacidade de descodificação do texto por parte do leitor.
Quanto mais se procura a origem mais se
tem a sensação de que a desconstrução do texto só irá levar à impossibilidade
de identificar sua raiz. Estamos no campo da morte do autor e no da
desconstrução derridiana.
No entanto, James Wood não se limita ao
desconstrucionismo, ou marxismo, fenomologia, new criticism, etc…
Em “A Liberdade do Não Muito” (até certo
ponto é o ensaio que concentra a essência do livro), o autor opta pela Teoria
da Recepção do Texto quando comenta autores tão distintos como Beckett e
Dickens, mas é em “O Shakespeare de Bloom” que o seu pensamento é mais
acutilante.
“O seu livro [Shakespeare: A invenção do
humano] é a continuação, por vezes encarniçada, de uma guerra que tem vindo a
travar há mais de uma década contra os marxistas, desconstrucionistas e
materialistas culturais, os quais designa por «a Escola do Ressentimento. Pág.
46
As opiniões de Bloom são confrontadas com,
essencialmente, a Teoria da Recepção. Esta teoria consiste, simplificando, na
deslocação do problema da produção e representação de um texto até ao momento
da sua recepção/leitura.
“Mas, diz-nos o materialismo cultural, se
examinarmos o impressionante leque de interpretações e representações, ao longo
dos séculos, temos de concluir que é impossível que Shakespeare tenha todos
esses significados e que somos nós, e apenas nós, que atribuímos um significado
a Shakespeare” Pág. 50
Apesar de se opor
às certezas absolutas de Bloom, Wood aproxima-se do autor de “Cânone Ocidental”
no que respeita à crítica de personagens. Se Bloom concentra a sua atenção em
Falstaff, Hamlet e Lear (personagens de Shakespeare), já em “ A Consciência Heróica de Jane Austen”, Wood concentra
a sua análise na construção das personagens de Jane Austen.
O crítico literário adjectiva a autora de “inovadora feroz”. As influências sobre
outros escritores vão desde Dickens a Woolf.
“Com ela, Dickens aprendeu que as
personagens podem depender de um só atributo e ainda assim transbordar de vida.
Com ela, Forster aprendeu que as personagens não têm de mudar para serem reais;
têm apenas de revelar cada vez mais da sua essência estável à medida que o
romance avança.” Pág. 63
No entanto, a grande inovação de Jane
Austen foi, segundo o autor, conseguir representar a comunicação fragmentada da
mente consigo mesma. É neste radicalismo que se funda o fluxo de consciência
existente na prosa de Woolf e de Joyce.
A observação de Wood antagoniza as
opiniões maioritárias. O seu sarcasmo não poupa, por exemplo, Steiner, em “A
Presença Irreal de George Steiner”, quando afirma que um dos principais
pensadores do século XX/XXI “teme dar
mostras de ignorância, ainda que retórica, ao que junta uma veneração
supersticiosa da «grandeza», em que a «grandeza» é separada do referente para
não ser mais do que magia portátil, uma espécie de feng shui” Pág.232
DeLillo é também alvo da argúcia de Wood.
Sobre “Submundo”, considerado a obra-prima de DeLillo, o crítico literário
afirma que “não obstante ter capítulos de
grande brilhantismo, não concentra os seus triunfos avulsos da maneira que um
romance tão longo deveria fazer. Em vez disso, como [DeLillo] não consegue
levar a que as partes se liguem entre si, encaixa-as à força”
Nunca é de mais sublinhar que o autor de
“A Herança Perdida” não fecha a discussão, mas antes a promove. As suas
afirmações são devidamente fundamentadas. Nada é gratuito nas suas observações.
Dada a acessibilidade da prosa e da
fundamentação, esta obra poderá ser lida e compreendida não só por um público
académico, mas também pelo leitor que tem interesse em fruir, de forma mais
aprofundada, o texto literário.
“A Herança Perdida” é uma criação que dota o leitor/académico de mais ferramentas para a descodificação do texto literário.
“A Herança Perdida” é uma criação que dota o leitor/académico de mais ferramentas para a descodificação do texto literário.
Mário Rufino
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