Constipação,
Portagem, Bertrand de Almada Fórum
Não
me ocorre nenhuma profissão mais repetitiva do que a de portageiro.
Estica
o braço, recebe, digita, entrega. Isto durante um dia de trabalho. Depois vai a
casa para voltar, no dia seguinte, com a certeza de que vai repetir tudo outra
vez.
Quem
está na viatura mal olha para o rosto de quem está a trabalhar. Quem está a
trabalhar é obrigado a ver, essencialmente, a sujidade no tejadilho do carro.
A
única incógnita é o meio de pagamento. E duvido que seja visto com grande
entusiasmo: “será que vai pagar com
cartão? Com moedas? Com notas? E se não tenho troco? Grande aventura…”
Duvido muito… Mas até esta incógnita está em vias de ser solucionada.
Os
pagamentos automáticos estão, lentamente, a relegar a quase inexistente
personalização do atendimento para uma exótica memória pertencente à história.
Vivendo
na margem sul, é quase obrigatório que eu tenha de passar pela Ponte 25 de Abril
quando quero ir para Lisboa.
Hoje,
saí de casa com destino ao hospital do SAMS nos Olivais.
Quando
cheguei às portagens, tinha duas viaturas à minha frente. Preparei o pagamento.
Olhei para o caixote, que não é outra coisa senão um caixote, e vi que estava
lá dentro o único funcionário que reconheço de outras passagens.
Na
primeira vez que o vi, há meses, pensei “Este
gajo é esquisito”.
Antes
de lhe entregar o cartão para pagar, brindou-me com um “BOM-DIAAAAAAAAAAA” que
me obrigou a responder. Ainda estava a restabelecer-me de tamanha simpatia já
ele se despedia de mim com uma “BOA-VIAGEMMMMM”.
Vi-o
uma e outra vez e o comportamento manteve-se.
“ Mas este gajo diz
isto a toda a gente? Não se farta?” Durante muito tempo continuou a ser esquisito.
Hoje,
só queria chegar depressa ao hospital, mas confesso que me animou bastante
aquele “BOM-DIAAAAAAAAAAA” e a “BOA-VIAGEMMMMMMMM”.
Sabemos
que as constipações são muito mais fortes nos homens do que nas mulheres, a
julgar pelas lendárias queixas masculinas.
Paguei e ainda me ri.
Paguei e ainda me ri.
Fui
ao hospital, vim para casa, meti-me na cama.
Tinha
uma mensagem no telemóvel: Bertrand Fórum Almada.
Um
livro que foi por mim pedido há dois meses…talvez três meses… está na loja para
ser levantado.
A
funcionária a quem pedi e de quem recordo o primeiro nome (Rita) não desistiu
e de tanto procurar… encontrou.
Eu
não consegui. E tentei!
Numa
época em que as livrarias on-line competem, de forma agressiva, com as
livrarias tradicionais, estas têm poucas vantagens sobre a comodidade que é a
de receber um livro em casa após meia-dúzia de cliques.
As
tarefas estão cada vez mais repetitivas e os funcionários são vistos como meros
executantes. Mas há casos em que o indivíduo consegue mais do que executar uma
função; o indivíduo consegue personalizar a tarefa através da sua persistente
tentativa de fazer a diferença, de emprestar algo positivo e intrínseco àquilo
que faz.
Eu,
cliente, não me esqueço do portageiro nem da colaboradora Rita da Bertrand do
Almada Fórum. Eles são a diferença.
Mário Rufino
Mário Rufino
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