José Eduardo Agualusa, em “Teoria Geral
do Esquecimento”, põe a realidade ao serviço da ficção para chegar à essência
dos acontecimentos.
O autor sugere ao leitor que entre num
texto profundamente conotativo. O edifício, outrora grandioso mas agora em declínio,
onde moram diferentes etnias com diversos comportamentos sociais, é o
microcosmos que funciona como um eixo de toda a narrativa.
É esse pequeno mundo que, se se tomar o
todo pela parte, dá a imagem das profundas transformações sociais e políticas de
Angola.
Agualusa sublinha esses acontecimentos
históricos dotando-os de causalidade para com a mudança social e
condicionamento individual.
É no contexto de decadência, desencanto
e renovação que a personagem principal, Ludovica (portuguesa), após vários
incidentes durante o início do processo de independência de Angola, decide
transformar a sua habitação num casulo, onde o tempo tem um corpo diferente. O
apartamento onde ela se enclausura é uma bolsa onde os incidentes exteriores às
paredes e aos muros, por ela construídos, chegam abafados pela distância. A
fome e a sede sentidas durante o enclausuramento são inferiores à necessidade
de segurança. No entanto, a possibilidade de estar completamente isolada do
exterior é, na realidade, impraticável. É através de fenómenos externos que ela
vai mudar o centro onde gravita: um pombo com uma mensagem de amor, um macaco,
um ladrão.
Se factores extrínsecos levam Ludovica
a fechar-se no seu mundo, será a mesma exterioridade que levará a personagem a
quebrar barreiras e a reinventar-se perante os outros. O segredo que a preenche
desde muito nova e o seu cão nomeado de Fantasma são companhias omnipresentes.
Mas não só. Os livros são essenciais no exercício de memória e relação com o
medo que “Teoria Geral do Esquecimento” propõe ao leitor.
O cunhado de Ludo, proprietário do
apartamento, deixara-lhe, quando desapareceu misteriosamente mais a sua esposa,
uma enorme biblioteca. É através dos livros que ela se move e é através dos
livros que melhor controla a interacção com o que lhe é extrínseco. Ludo
necessita de controlo. Mas esse controlo, o conhecimento e a memória
confrontam-se com o instinto de sobrevivência.
“Sentira, enquanto ia queimando os
livros, depois de ter feito arder todos os móveis, as portas, os tacos de
soalho, que perdia liberdade. Era como se estivesse ateando fogo ao planeta. Ao
queimar Jorge Amado deixara de poder revisitar Ilhéus e São Salvador. Queimando
Ulisses, de Joyce, perdera Dublin. Desfazendo-se de Três Tristes Tigres vira
arder a velha Havana” pág. 136.
José Eduardo Agualusa estruturou o seu
romance em capítulos curtos onde, de forma directa ou indirecta, as acções
secundárias confluem na acção preconizada pela personagem principal. A prosa
não utiliza, de forma gratuita e como um fim, as diferenças sintácticas,
semânticas e lexicais inerentes à riqueza intrínseca da Língua Portuguesa.
Através desta estrutura, o autor propõe ao leitor que entre num universo onde o
medo é catalisador do pensamento, do gesto e da palavra. É na alteridade, na
pluralidade e no perdão - e não no esquecimento- que o indivíduo destrói ou
limita as barreiras que não permitem a busca de sentido e a partilha de
sentimentos.
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
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