“Furacão”
Laurent
Gaudé
Porto
Editora
“Furacão” é uma catarse
individual e colectiva.
Laurent
Gaudé, autor de “O sol dos Scorta” (Prémio Goncourt 2004), apresenta-nos um
exercício niilista através do qual procura testar os limites morais do ser
humano. “Furacão” aborda a destruição a que Nova Orleães foi sujeita pela
violência da água e do vento (furacão Katrina), e que destruiu os pilares da
organização social. A devastação está presente em todo o romance e o seu poder
é essencial no percurso e destino de cada uma das suas personagens. O local,
que pode ser visto como um personagem “colectivo”, proporciona, através da sua
caracterização, uma visão sociológica que incide, sobretudo mas não
exclusivamente, sobre a segregação racial. A Natureza, normalmente incluída
como contexto de elementos importantes no romance, é catalisadora de todos os
acontecimentos.
A
estrutura do romance assenta numa narração polifónica e o enredo apoia-se em
cenas curtas de conteúdo visual muito sugestivo.
A pluralização de perspectivas narrativas trabalha o enredo sobre diversos pontos de vista e permite-nos observar a psicologia de diferentes personagens perante tão violenta ruptura física, emocional e social. No entanto, Gaudé não compatibiliza qualquer alteração de ritmo ao longo da narrativa que, só por si, permita a identificação das personagens. Essa possibilidade concentra-se, essencialmente, na escolha do léxico e utilização do vocativo. Assim sendo, observamos Josephine referir-se a ela pelo nome próprio:
“Nasceu o dia, mas sei que nos espera o pior. A hora que aí vem é a hora dos chacais, e eu, Josephine Lin. Steelson, sei reconhecer o seu cheiro entre mil. Pág.75
A pluralização de perspectivas narrativas trabalha o enredo sobre diversos pontos de vista e permite-nos observar a psicologia de diferentes personagens perante tão violenta ruptura física, emocional e social. No entanto, Gaudé não compatibiliza qualquer alteração de ritmo ao longo da narrativa que, só por si, permita a identificação das personagens. Essa possibilidade concentra-se, essencialmente, na escolha do léxico e utilização do vocativo. Assim sendo, observamos Josephine referir-se a ela pelo nome próprio:
“Nasceu o dia, mas sei que nos espera o pior. A hora que aí vem é a hora dos chacais, e eu, Josephine Lin. Steelson, sei reconhecer o seu cheiro entre mil. Pág.75
Observamos,
também, o Reverendo a apelar a Deus, o prisioneiro a mencionar o cárcere, Keanu
a falar sobre a plataforma petrolífera, etc.
Gaudé não deixa de ser eficaz quando as individualiza de outras formas. O leitor não tem dificuldade na identificação das vozes narradoras.
Gaudé não deixa de ser eficaz quando as individualiza de outras formas. O leitor não tem dificuldade na identificação das vozes narradoras.
A
destruição ambiental dilui a fronteira entre o bem e o mal. Não são só os
edifícios que são destruídos; a Moral é posta em causa quando as rotinas
sociais que a sustentam entram em colapso.
O
niilismo estimula a anarquia e potencia novas vias existenciais. A catástrofe
permite uma hipótese de recomeço.
Josephine,
exemplo de resiliência, é a voz, a memória e a guardiã da dignidade da
população negra, historicamente privada da igualdade social.
“Virão em nossa ajuda, com certeza, mas muito mais tarde. Enviarão helicópteros e bidões de água, mas nada eliminará o facto de, no momento de correr, não se terem voltado, se terem mesmo esquecido de que deixaram para trás os negros de sempre”. Pág. 100
“Virão em nossa ajuda, com certeza, mas muito mais tarde. Enviarão helicópteros e bidões de água, mas nada eliminará o facto de, no momento de correr, não se terem voltado, se terem mesmo esquecido de que deixaram para trás os negros de sempre”. Pág. 100
O
Reverendo vê a intempérie como um castigo divino e uma hipótese de redenção
individual e colectiva. Ao ajudar os outros, o Reverendo ajuda-se a si próprio.
A sua caridade ajuda os mais desfavorecidos, mas também se alimenta deles. Quem
dá o acolhimento precisa do medo de quem é acolhido. É esse medo que, em
substância, provoca a euforia religiosa no Reverendo. E é a influência dessa
euforia que provoca a sua psicose. Para ele, estamos perante o castigo divino.
Os
prisioneiros têm na inesperada liberdade uma nova oportunidade de salvação;
Keanu procura a redenção e o perdão de Rose, a população procura a simples
sobrevivência e perpetuação.
“Furacão” é a destruição antes do recomeço. “Furacão” é uma catarse individual e colectiva.
Mário
Rufino
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