12 Sugestões de leitura
Fim
do ano é tempo de balanço. Por esta razão, deixo-vos 12 sugestões de leitura,
uma para cada mês. As obras não estão organizadas por ordem de importância, mas
por ordem alfabética.
Não
posso deixar de referir o facto de não estarem presentes dois livros de que
gostei particularmente:
“ As aventuras de
Pinóquio”,
de Carlo Collodi, adaptado por Stella Gurney, com maravilhosas ilustrações de
Zdenko Basic.
“ O traço do anjo”, um belíssimo livro de
poesia, de Maria João Cantinho.
Boas
Leituras!!!!!
Anderson,
Sherwood
“Winesburg Ohio”
Há
livros que têm um grande impacto. Há autores, até dado momento desconhecidos,
que formam a sensibilidade e criam uma exigência mais apurada. Há autores e há
livros que nos mudam e nos indicam as posteriores leituras de outros autores.
Há muitos livros e muitos autores, mas existem poucos que conseguem exigir uma
releitura. “Winesburg Ohio” exige. O
primeiro capítulo é indispensável a qualquer leitor e escritor. Intitula-se
"grotesco" e é um medicamento contra a intransigência e a
mediocridade da verdade absoluta.
Askildsen,
Kjel
“Um repentino
pensamento libertador”
Askildsen
escreve o necessário e nada mais. Ao deixar de dizer o que se intui, ao
conseguir um (quase) perfeito equilíbrio entre o dito e o não-dito, o autor
consegue mostrar o horror que o ser humano sente pelo vazio. A história que nos
é contada é um instante essencial na vida do (s) interveniente (s), onde os
conflitos permanecem irresolúveis. O leitor percebe que há mais aquém e além do
que é mostrado. As várias histórias que compõem “Um repentino pensamento libertador” são estupendas criações
literárias, onde o autor consegue no formato de narrativa curta capturar a
angústia da solidão e a incapacidade de percebermos integralmente quem é o
“Outro”
Carvalho,
J. Rentes de
“Os lindos braços da
Júlia da Farmácia”
“Os Lindos Braços da
Júlia da Farmácia”
é composto por 30 narrativas escritas com a mestria de quem sabe contar bem uma
boa história. J. Rentes de Carvalho surpreende-nos com a sua ironia queirosiana
e com a fluidez de uma prosa equilibrada, que transmite a sensação de que tudo
o que é necessário está em cada frase, em cada conto, na proporção exacta.
José
Rentes de Carvalho tem controlo absoluto sobre as técnicas narrativas que
aplica na arte de contar. A leitura é fluida, não existem perdas de sentido,
malabarismos estéreis nem petulância no léxico utilizado.
Há
momentos de brilhantismo.
Arrisco
em dizer que esta obra não é somente (?) um belíssimo livro onde coexiste a
narrativa e a poética; é uma lição de bem escrever.
Dazai,
Osamu
“Não Humano”
O
que mais impressiona em “Não Humano”
não é a descrição de violência física ou mesmo a tortura psicológica. O que
mais impressiona neste livro é a indiferença à dor própria e alheia. A
estrutural moral e social é outra, se é que existe. Yozo está sempre à margem
das emoções (excepto de um medo primário de animal), não se envolve socialmente
e vê o sentimento como um sintoma de doença.
Poucos
autores conseguem criar mundos diferentes, livros que causem impacto no leitor.
O mundo “Não Humano” de Osamu Dazai é
um desses mundos literários criados para nos abanar e, estranhamente,
seduzir-nos a percorrê-lo e acabar a viagem.
Donoghue,
Emma
“O quarto de Jack”
Emma
Donoghue criou uma obra onde se interroga sobre a angústia que vem com a perda
de inocência, o conhecimento como porta de entrada, o amor como suporte da vida
e o horrível como parte integrante do Ser Humano.
A
história fundamenta-se na dialéctica entre luz e sombra, mal e bem, ficção e
realidade, na decadência física da mãe em contraste com o crescimento do filho.
A tensão causada pelo antagonismo de situações e emoções díspares é mantida,
com sucesso, desde o princípio até ao fim do livro. Numa prosa onde só há
espaço para o essencial, Emma Donoghue afasta os vícios académicos e constrói
um texto emotivo, sem cair no facilitismo melodramático.
Hollinghurst,
Alan
“O filho do
desconhecido”
“O filho do
desconhecido”,
editado pela Dom Quixote, é um livro onde o não-dito ocupa um espaço fulcral na
interpretação da narrativa. A estrutura do romance, composta por cinco
capítulos, e a contínua mudança de ponto de vista exigem a dedicação e a
concentração do leitor. Os grandes temas do livro estão em fundo, dependem do
silêncio e das versões contraditórias das personagens. “O filho do desconhecido” não rompe com a temática dos livros
anteriores, mas vai muito além da problemática da sexualidade/homossexualidade.
São abordados alguns aspectos dos quais dependem a personalidade: a memória, a
aceitação, a interacção social e a ditadura do senso comum/regras da sociedade.
Desta forma, Hollinghurst apresenta um texto que nos interroga sobre quem somos
e qual é a base da nossa personalidade.
Kielland,
Alexander
“Garman & Worse”
O
Leitmotiv de “Garman & Worse”
é o confronto entre inovação e tradição. Ao longo do texto podemos acompanhar a
impossibilidade de conjugar estes dois factores dentro do seio familiar e das
ligações sociais – através da relação laboral e, intrinsecamente, das
diferenças entre classes. O papel da mulher na sociedade e o papel da igreja contextualizam-se,
também e de forma clara, neste confronto entre tradição e inovação. A prosa é
objectiva, equilibrada, e elimina o supérfluo. A perspectiva muda consoante o
capítulo dando, desta forma, uma pluralidade de pontos de vista. A narrativa é
sólida e, apesar dessa mudança de perspectiva, não perde, em momento algum, a
sua coerência. O autor tanto se aproxima das personagens (ao ponto de não
sabermos a quem é que pertence determinado pensamento, se à personagem ou ao
narrador) como delas se distancia.
Luca,
Erri
“O peso da borboleta”
Erri
de Luca construiu um duelo poético entre dois seres dominados pela obsessão da
perseguição e pela expectativa de um duelo.
Em
"O peso da borboleta” há uma comunhão de entidades
pertencentes a vários círculos existenciais: O animal, o homem, a natureza e o
imaterial (a morte, os espíritos). Tudo se move em simultâneo e numa infinita
conexão de causa-efeito.
Erri
de Luca conta-nos uma história de obsessão, duelo, limites e eminente tragédia.
Mas é, principalmente, uma história de dependência entre personagens, de
demanda, de simbiose e transformação final.
McCann,
Colum
“Deste lado da luz”
Em
“Deste lado da luz”, Colum McCann
estabelece uma relação tanto intrínseca como extrínseca com a pintura. As
construções das comoventes e poderosas imagens baseiam-se numa dialéctica entre
luminosidade e sombras. A caracterização emocional das personagens, a
construção de todo o ambiente onde se inserem, a própria contextualização
social é sugerida ao leitor através de uma luz que se concentra em aspectos
particulares. O que fica na sombra enfatiza o facto desnudado pela luz. A
memória e o tempo estão dependentes entre si e a constante referência ao
“Melting Clock” de Salvador Dali, grafitado na parede do túnel, simboliza a relatividade
do tempo perante a persistência da memória.
É
um bom livro, composto por várias camadas interpretativas, pleno de
significação e que, provavelmente, pede uma releitura. E se o solicita, não é
por dificuldade de seguir ou compreender o enredo, mas pela riqueza simbólica
das imagens criadas.
Mendes,
Pedro Rosa
“Peregrinação de
Enmanuel Jhesus”
Peregrinação
de Enmanuel Jhesus”
contém uma fulgurante riqueza imagética, complexidade narrativa e demanda
existencial sobre a génese de uma cultura.
É,
na minha opinião, um dos grandes livros da literatura contemporânea,
assumidamente influenciado pela literatura de viagens desde o século XVI até à
actualidade.
Pedro
Rosa Mendes assume esta herança e oferece-nos um livro soberbo, que exige
leitura e releitura. “Peregrinação de Enmanuel Jhesus” é um
acontecimento literário que merece perdurar no tempo e deixar a sua marca na
História da Literatura Portuguesa.
Sepetys,
Ruta
“O longo inverno”
“O
longo inverno” é a história de um povo, simbolizado pelas personagens
existentes, sob o discurso de violência de Estaline. Mas é também a história de
Ruta Sepetys, do que ela ouviu e do que ela própria sofreu ao longo da
investigação. Essa emoção está presente desde a primeira até à última página.
O
ambiente histórico é verídico. Durante o período em que Estaline esteve no
poder morreram milhares de pessoas. A autora recolheu testemunhos, visitou
locais e algumas situações escritas foram, de facto, vividas pelos
sobreviventes.
Ruta
Sepetys desenterra as histórias de sofrimento e provações a que milhares de
lituanos, letões, finlandeses, e não só, foram sujeitos, para nos mostrar,
através destes exemplos, a indomável vontade de viver do ser humano.
A
autora quis passar o testemunho de sofrimento de um povo. Foi bem-sucedida.
Tsiolkas,
Christos
“A bofetada”
“A
bofetada” é
um livro extenuante não só pelo volume (537 páginas), mas – essencialmente-
pelo desgaste emocional a que o leitor é sujeito. Apetece dizer quando se abre
a primeira página “ Deixai toda a Esperança, Vós que entrais”.
“
A bofetada” de
Christos Tsiolkas é um rasgo na realidade do leitor. Há livros assim: Pegam em
nós e conseguem sacudir a nossa realidade até à quase insuportável inquietação.
Mário
Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
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