“As Aventuras de
Pinóquio”
Quero, simplesmente, falar sobre um amigo de infância. O seu nome é
Pinóquio, e tenho a certeza de que o conhecem
O
livro “As aventuras de Pinóquio”, editado pelo Círculo de Leitores/Arte Plural,
obrigou-me a interromper o texto que estava a preparar para esta crónica. A
magistral história de Carlo Collodi encontrou as ilustrações que merece. Zdenco
Basic fez um trabalho extraordinário.
Há
personagens que sobrevivem ao tempo e ultrapassam, inclusive, o nome dos
próprios autores. Lembramo-nos de Pinóquio e de Peter Pan. Lembramo-nos também,
embora com um enorme desvio interpretativo, de Alice e de Moby Dick. Menos
pessoas lembram-se ou sabem os nomes dos seus criadores. E o que será mais
importante? Estas personagens habitam o nosso imaginário de crianças, continuam
a viver connosco na idade adulta e, certamente, já entraram ou irão entrar no imaginário
dos nossos filhos.
Ao
olhar para a capa, vejo que, na verdade, a partir do momento em que peguei no
livro não mais tive hipótese de deixar de o ler, de o sentir nos meus dedos e
encantar-me com as palavras e os seus desenhos. E isto porque Pinóquio não
deixa de olhar para mim. O seu olhar triste, a sua mão estendida enquanto se
mantém sentado, no teatro de marionetas, de perna flectida, é um pedido
irrecusável para o levar para casa.
As
cordas que o prendem são as nossas e a liberdade que ele almeja é a nossa
também. Talvez por isso ele tenha ficado connosco à espera que nos libertemos
dessas amarras e nos deixemos ser …crianças. Há muito pouco a ganhar quando se
perde a ingenuidade.
Gepeto,
o velho e humilde carpinteiro, é uma figura paternal, criadora, que projecta,
de alguma forma, os seus defeitos naquele boneco de madeira. A sociedade faz o
resto. E é ao percorrer essas dores de crescimento que Pinóquio nos emociona,
nos faz acompanhá-lo porque, talvez, sejamos nós no seu corpo, ou os nossos filhos
que esperam a nossa ajuda. Eu gosto do Pinóquio e não me interessa a
crítica literária para nada, quando revejo um amigo que não cresce, um amigo que
sempre esteve comigo para me ajudar a percorrer outras palavras, outras
imagens, outros mundos mais libertos da ditadura imposta pelas limitações dos
nossos olhos.
Eu
ia escrever sobre campos de concentração…mas o Natal está a chegar e vou
convidar o menino Pinóquio a sentar-se junto dos presentes e dos chocolates.
Ficará ali sentado, enquanto uma criança anda a tentar perceber o conteúdo dos
embrulhos e a comer, clandestinamente, as bolas de chocolate penduradas na
árvore de Natal. Estará connosco até porque nunca deixou de estar.
Zdenko
Basic construiu imagens que honram o texto. Tudo é magnífico dentro do livro.
Há uma presumível influência de Tim Burton nos seus desenhos: a obscuridade, a
expressão corporal, a capacidade de as figuras emanciparem-se das palavras e,
por si, contarem a história. A imagética remete para várias influências. Se a
capa nos transmite um pungente pedido de acolhimento, a contracapa é sublime:
Gepeto, tal como em “Criação de Adão”, de Michelangelo Buonarroti (baseado em
Genesis, 1:27, Deus criou o homem à sua
imagem e semelhança), aproxima o seu indicador da sua criação.
Por
estas razões, “ As aventuras de Pinóquio” oferecem vários pontos de abordagem:
a leitura da adaptação do texto de Collodi por Stella Gurney, a fruição das
ilustrações de Zdenko Basic ou…tudo em simultâneo. Assim, qualquer criança, ou qualquer adulto que ainda seja uma criança, pode adoptar este Pinóquio e
acompanhá-lo da forma que quiser.
Mário
Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
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