“Peregrinação de Enmanuel
Jhesus”
Pedro
Rosa Mendes
“Peregrinação
de Enmanuel Jhesus” contém uma fulgurante riqueza imagética,
complexidade narrativa e demanda existencial sobre a génese de uma cultura.
É, na minha opinião, um dos grandes livros da literatura
contemporânea, assumidamente influenciado pela literatura de viagens desde o
século XVI até à actualidade.
O território do romance (fiquemos por esta
caracterização embora a hibridez do texto permita catalogá-lo de outras formas)
não se limita à geografia de um território. É uma viagem pelos momentos
históricos que moldaram as características do povo (s) de Timor Lorosae. A
viagem do autor pela psicologia, cultura e sociedade timorense, com todas as
suas interacções e indefinições culturais, sustenta-se não só numa deslocação
física, essencial à literatura de viagens, mas também numa viagem na
literatura. Se no primeiro caso, como foi dito, o observador desloca-se de um
ponto a outro, no segundo caso tal não é necessário. Em “Peregrinação de Enmanuel Jhesus”, o autor interroga de forma
endógena e exógena a génese de uma sociedade e a formação cultural do indivíduo.
O pensamento e as interrogações levantadas pelo autor, em muitos casos,
funcionam com alguma independência, mas não dissociados, em relação à
deslocação física do observador. A existência de constantes viagens entre o
passado e o presente demonstra-nos as múltiplas influências existentes/impostas
a Timor Lorosae
“Eu
posso recordar, na minha memória genética de judeu, que o nosso povo operou
essa passagem, essa mudança, porque ela nos foi imposta do exterior. A primeira
vez foi quando tivemos de passar a lei oral em lei escrita, na Primeira
Diáspora, quando os Judeus foram expulsos pelos Assírios e sofremos o exílio da
Babilónia.” Pág. 284
Pedro Rosa Mendes dotou o seu romance com uma
complexidade narrativa que obriga o leitor a ler e reler e, mesmo assim, sair
do livro com a sensação que ficou por apreender grande parte da riqueza existente.
Não é a primeira vez que um livro do mesmo
autor causa um impacto tão forte como a sua peregrinação. “ A baía dos tigres” interroga, também, as convenções literárias ou
o que se chama de construção e leitura canónica. A hibridez de ambos os livros
é uma característica em comum, entre outras. Mas mais do que haver uma ligação
entres estes dois livros, a Peregrinação desenhada por Pedro Rosa Mendes remete
de forma intrínseca e extrínseca para outra viagem, para outra peregrinação: a
de Fernão Mendes Pinto.
As duas obras não se conformam com a
representação da realidade, mas almejam capturá-la nas malhas da ficção.
Acontece um deslizamento da interpretação factual para a leitura ficcional na
obra de Pedro Rosa Mendes embora não tão ostensivo como na obra de Fernão
Mendes Pinto. Há uma constante dialéctica entre a ficção e a realidade. O deslocamento do viajante leva-o ao
descobrimento de realidades diferentes daquela que ele conhece e onde é
participante activo. O “Outro” aparece, então, aos seus olhos significando
estranheza e deslocamento do “eu” para uma realidade até ali desconhecida.
Quando o seu olhar incide sobre o “Outro” a alteridade efectua-se. No entanto,
é uma posição efémera pois o viajante tenta, imediatamente, apoderar-se dela
não só a nível linguístico como social. A analogia com os costumes que conhece
é inevitável e o que é novo é comparado com a imagética existente. Há uma
íntima relação entre a tessitura histórica e social e a narração.
A estranheza demonstrada perante o “Outro”, já
não sendo geográfica, ainda se mantém como Psicológica e Cultural.
Se em
vários aspectos o viajante admira-se e conta de forma não-interventiva os costumes
da nova realidade, tudo se altera quando escolhe a religião como hermenêutica. Quando
adopta tal ângulo para uma indevida medição, o observado é adjectivado de forma
pejorativa em comparação com os hábitos do observador. Perde-se a isenção e
institui-se um patamar de inferioridade/superioridade. Em “A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”, basicamente narrado na
primeira pessoa, isto acontece de forma ostensiva; na “Peregrinação de Enmanuel Jhesus” acontece de forma diferente e,
talvez, mais complexa.
Ao assumir uma narração polifónica, a narrativa
enriquece-se com pluralidade de pontos de vista com possível fragmentação da
evolução do romance. Devido, essencialmente, à mestria com o que o autor domina
a construção do texto, a narrativa não perde coerência.
A leitura crítica da Peregrinaçam percorre 4
séculos onde podemos acompanhar a história da Poética e caracterização da
Literatura de Viagens como marginal ao Cânone.
Pedro Rosa Mendes assume esta herança e
oferece-nos um livro soberbo, que exige leitura e releitura. “Peregrinação de Enmanuel Jhesus” é um
acontecimento literário que merece perdurar no tempo e deixar a sua marca na
História da Literatura Portuguesa.
Mário
Rufino
Doutorando em Literaturas e Culturas da Língua
Portuguesa, na Universidade Nova de Lisboa com a tese “Pedro Rosa Mendes:
Leitura de “Peregrinação de Enmanuel Jhesus”.A literatura de viagens e a
dialéctica com “Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”
0 Comentários