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"O Segundo Avião" de Martin Amis



O 11 de Setembro de Martin Amis
Texto: Mário Rufino


“Não distinguimos entre militares e civis, todos são alvos”
Osama Bin Laden em entrevista a John Miller, ABC, 1998.


“O Segundo avião”, escrito por Martin Amis, é uma interpretação ficcional e filosófica do fundamentalismo que eclodiu num dos episódios mais traumáticos da História dos Estados Unidos da América.
O autor dividiu a sua reflexão (14 textos) em duas partes distintas: doze ensaios e recensões e duas ficções curtas.

Durante os 12 ensaios e recensões exprime a sua posição sobre as religiões e o Islão/islamismo, em particular. A aversão a acções não baseadas na gnose e na racionalidade motivam-no a construir textos que o vinculam a uma opinião ousada e muito assertiva:
“ O que eu sou é um islamismofóbico, ou melhor dizendo, um anti-islamista, porque fobia é um medo irracional, e não é irracional temer-se algo que diz que nos quer matar. O inimigo mais geral, evidentemente, é o extremismo” pág. 10
Aos nove anos de idade, Amis renuncia a Deus e, na sua apostasia, “dessacraliza” várias Bíblias (era coleccionador) e, segundo ele, queimou duas ou três num recanto do seu quintal.
É no campo teológico que encontra inquietantes semelhanças entre os EUA e, por exemplo, um dos inimigos caracterizados como pertencentes ao “eixo do mal”: o Irão.
O conhecimento cede perante o irracionalismo religioso tanto de Ronald Regan/George W. Bush como de Mahmoud Ahmadinejad: “ ambos os homens [Reagan e Ahmadinejad] habitam aquela planície iluminada por tempestades do fim dos tempos se encontra com as armas nucleares” pag.113
Mas pela primeira vez a guerra não se limita a uma área geográfica. A motivação oriunda da crença não tem nacionalidade, mas religião. A utilização beligerante de vários símbolos pertencentes à cultura norte-americana (o avião, sinónimo de liberdade de movimentos, World Trade Center, Pentágono) atingiu frontalmente o sentimento de segurança da cultura ocidental. Se os EUA viram no 2º avião o horror de uma acção criminosa e propositada, a Europa ficou espantada com a pretensa facilidade do nascimento do horror no coração da liberdade do indivíduo e do capital. A catástrofe não foi, somente, norte-americana. As ondas de choque atravessaram o oceano e colocaram em causa a hipotética infalibilidade da rotina diária dos cidadãos. “Se acontece ali, onde existe tanta segurança, o que poderemos fazer para não acontecer aqui?”
Os atentados de Madrid e de Londres mostraram que o terror não tinha pátria nem um território definido.
A impossibilidade daquela realidade limitou o uso da ficção como catarse durante alguns anos. Muitos escritores abordaram os acontecimentos pela perspectiva jornalística, de relato do real, em detrimento da construção ficcional. A ficção foi esmagada pelos acontecimentos.
«Um romance é conhecido cortesmente como uma obra da imaginação; e, nesse dia, a imaginação fora evidentemente confiscada por inteiro, e sem qualquer objectivo” pag.21
Durou algum tempo até a criação artística usar essa dor na produção de documentos ficcionais que abordassem a temática do 09/11. Spike Lee, no cinema, DeLillo na Literatura foram dos primeiros a abordar directa ou indirectamente esta temática. “O Homem em Queda”, de DeLillo, é um excelente documento ficcional sobre os atentados.
Martin Amis tem, neste livro, duas narrativas curtas dotadas de uma qualidade invulgar, principalmente em “No Palácio do Fim”. Neste conto, o autor consegue transmitir a atroz despersonalização do indivíduo.
No outro conto, “Os Últimos Dias de Muhammad Atta”, pratica um agónico exercício de alteridade. A perspectiva adoptada é a de Muhammad Atta, um dos terroristas que direccionou um dos aviões contra uma das torres gémeas.
Em Portugal, o terrorismo tem sido amplamente debatido na Comunicação Social, mas não teve, até recentemente, uma presença importante na Literatura.
No entanto, em 2011, Pedro Guilherme-Moreira editou, com muito sucesso, o romance “A Manhã do Mundo”.
Quando lhe foi perguntado por que razão tinha escrito sobre 09/11, o autor português respondeu "talvez porque somos todos América, mesmo que em contraponto, e porque era fundamental que ficasse assente o ponto de vista das vítimas, o tal que não importa à história com agá grande, mas nos importa a nós: aliás, eu gostava que o livro fosse sentido e lido como o "se isto é um homem" do piso 106 da torre norte, e não apenas como um livro sobre o 11 de Setembro."


Ao longo do livro de Amis nota-se a atenuação da vertente emocional conforme a produção dos textos se vai afastando de 11 de Setembro.
“O Segundo Avião” é uma reflexão do autor, tanto no aspecto ensaístico e na reportagem (com Tony Blair), como na vertente ficcional. E é através dos mecanismos de ficção que consegue elevar a qualidade literária do seu livro. Estes dois contos mereciam estar inseridos num outro tipo de estrutura, numa outra obra.
Apesar de ser um importante documento de época que contribui para a reflexão sobre extremismos, certamente que este interessante livro não ficará registado como um dos mais importantes na obra deste escritor.


Mário Rufino


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