“Não
Humano”
Osamu
Dazai (pseudónimo de Tsushima Shuji)
Eucleia
Editores
I
“A minha vida é
vergonhosa.
Não consigo sequer
imaginar como deve ser viver como um ser humano” pag.13
Osamu
Dazai criou, em “Não Humano” (e em outros livros) um mundo estranho e inóspito.
Yozo, personagem principal, representa o que mais há de primário no ser humano.
Ao entrarmos em “Não Humano” partilhamos os medos e obsessões do próprio autor.
A sua vivência pessoal, a tentação contínua que o puxava para a morte (concretizado
num duplo suicídio com a sua amante), as drogas, o álcool, sexo, tudo é
exorcizado perante o leitor de uma forma honesta e, em consequência, cruel.
Este tipo de ficção dita confessional levou a que o autor seja considerado um
dos principais autores japoneses do século XX.
O
que mais impressiona em “Não Humano” não é a descrição de violência física ou
mesmo a tortura psicológica. O que mais impressiona neste livro é a indiferença
à dor própria e alheia. A estrutural moral e social é outra, se é que existe. Yozo
está sempre à margem das emoções (excepto de um medo primário de animal), não
se envolve socialmente e vê o sentimento como um sintoma de doença.
“ (…) alguns anos mais
tarde, observei, em silêncio a violação da minha própria esposa.
Tentei, na medida do
possível, evitar envolver-me nas complicações sórdidas do ser humano.” Pag. 61
A
personalidade é escondida atrás de inúmeras brincadeiras, palhaçadas segundo o
próprio, impedindo o “outro” de o observar, de o conhecer. É uma vida representada,
irreal.
O
suicídio é uma obsessão pela qual se deixa seduzir por duas vezes. A primeira
vez que se tenta suicidar, Yozo/Osamu é resgatado por um barco de pesca. Não o
tentou sozinho. Uma mulher saltou com ele e afogou-se. Ele jamais conseguiu
ultrapassar o sentimento de culpa. A necessidade/capacidade do autor se
desnudar emocionalmente perante o leitor é autêntica e mostra a singularidade
deste livro. “Não Humano” é um mundo à parte.
A simbiose entre ficção e realidade proporciona
uma viagem da qual não queremos sair.
O
percurso de Yozo é, em essência e nos principais acontecimentos, paralelo ao de
Osamu Dazai.
É
importante mencionar que, ao analisar a estrutura do romance (confessional), o
narrador não chega a conhecer a personagem. Ao sabermos que o enredo é muito
moldado aos acontecimentos da sua vida, podemos especular que há, pelo menos,
duas perspectivas no autor: Aquele que sofre e o que se analisa. E a separação
entre ambos é dramática: “Nunca tinha
visto tão impenetrável rosto num homem” pag 12
Poucos
autores conseguem criar mundos diferentes, livros que causem impacto no leitor.
O mundo “Não Humano” de Osamu Dazai é um
desses mundos literários criados para nos abanar e, estranhamente, seduzir-nos
a percorrê-lo e acabar a viagem.
“Tudo passa.
Essa é a única coisa
que achei assemelhar-se a uma verdade na sociedade dos seres humanos onde até
agora vivi como se num inferno.
Tudo passa” pag. 122
Mário
Rufino
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